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Discurso sustentável tem motivação econômica

Por Jeniffer Oliveira - 31 de Julho 2018
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Não é de hoje que a pauta sobre sustentabilidade é discutida por diversos segmentos, mas a visão sobre a questão tem mudado muito ao longo do tempo. Atualmente, muitas empresas já incorporaram o "discurso sustentável" no seu dia a dia e, na maioria das vezes, a motivação para isso tem sido econômica. Além de melhorar a visão dos stakeholders (partes interessadas) sobre a empresa, adotar a sustentabilidade pode reduzir custos de produção e aumentar a rentabilidade.

 

“No caso específico da adoção de processos produtivos mais sustentáveis, as empresas descobriram que investir em sustentabilidade ambiental significa otimizar processos, reduzir custos e ser mais inteligente no uso dos recursos, por exemplo no uso da água, da energia e da matéria-prima”, explica o especialista em sustentabilidade empresarial, Ricardo Ribeiro Alves, afirmando que é preciso que o público saiba que a empresa tem compromisso com as questões ambientais, mas que o trabalho mais importante em sustentabilidade é interno.

 

A sustentabilidade pode ser uma forte ferramenta estratégica nos negócios, mas, segundo Alves, a percepção das moveleiras em relação a isso varia muito, pois depende do grau de importância que a alta administração (dirigentes máximos da organização) dá ao tema. Com anos de trabalho relacionados ao setor, o especialista avalia que moveleiras menores são mais apegadas ao passado e não enxergam a sustentabilidade como elemento estratégico. Por outro lado, as empresas maiores, geralmente estão em sintonia com as tendências e rumos do mercado, por isso já veem a sustentabilidade, não apenas como uma maneira de melhorar a sua imagem institucional, mas também como fator que representa melhor planejamento.

 

Alves enfatiza que todo investimento em sustentabilidade ambiental feito pelas moveleiras deve ser mostrado em suas ações junto aos clientes, funcionários, fornecedores, investidores, governo e comunidade, porque é um importante elemento para o marketing ambiental, mas se a empresa estiver focada na redução de custos, o resultado será melhor. “Muitas vezes, o novo olhar para a sustentabilidade ambiental nada mais é do que a busca na redução da ineficiência e no comprometimento com o planejamento sério. Buscar o desperdício zero deve ser a cartilha seguida por todas as empresas. Mas, para isso, não basta empresários mais conscientes, é preciso de líderes que capacitem a sua mão-de-obra em relação a esse aspecto”, declara o especialista.

 

A sustentabilidade ambiental deve ser parte integrante da estratégia geral da empresa. A partir desta nova forma de pensar, cria-se uma cultura organizacional diferente e torna-se possível pensar soluções para o processo produtivo. “Deve-se investir em mão de obra para que ela possa saber os melhores caminhos para efetuar as mudanças necessárias”, declara Alves, acreditando que se o funcionário receber a capacitação adequada será a melhor pessoa para propor soluções e alternativas sustentáveis para o processo que colabora, pois é ele que está envolvido com a empresa no dia a dia.

 

 

Prática sustentável é realmente prática

 

Pequenas atitudes fazem diferença. A frase pode até ser clichê, mas não deixa de ser verdadeira. Qualquer redução no uso de matéria-prima e demais recursos, como água e energia, traz impactos econômicos e ambientais. Cabe a cada moveleira o desafio de encontrar as melhores formas para obter essa redução. Dentre várias atitudes que podem ser realizadas, Alves utiliza como exemplo o uso de programas de computador que efetuam cortes mais precisos de painéis.

 

“Antes dos painéis entrarem na linha de produção são lançadas as medidas do painel e da peça do móvel que será cortada. O programa irá otimizar o corte para aproveitar o máximo possível da matéria-prima. Qual a vantagem econômica? Se antes, por exemplo, a empresa usava 100 painéis por dia, agora usará 98 com o corte otimizado. No final do mês podem ser 40 painéis a menos e no final do ano quase 500. Isso impacta financeiramente. E as vantagens ambientais? Será utilizado menos matéria-prima que reduzirá o uso de energia elétrica e o uso de água, se for o caso e, claro, menos árvores. A diferença é um ganho de custo, mas também um ganho ambiental”, detalha o especialista em sustentabilidade empresarial.

 

As alternativas mais viáveis para minimizar impactos ambientais nos processos produtivos partem de um bom planejamento e, neste caso, é necessário repensar várias partes do processo. “Por exemplo, qual é quantidade de água utilizada? Ela pode ser reaproveitada? Caso não possa, o que a empresa faz após o uso dessa água? E os resíduos? Representam grande quantidade? Há muita sobra da produção? Qual a sua destinação? A empresa adota alguma forma de energia renovável que possa diminuir a sobrecarga em sua conta de energia convencional?”, questiona Alves. Hoje há muitos incentivos ao uso da energia solar, por exemplo, tanto com financiamentos quanto com isenção de impostos.

 

A busca por reaproveitamento de matérias-primas ou reciclagem é tendência em vários setores produtivos. Na indústria moveleira, por exemplo, são aproveitados sobras e resíduos da confecção dos móveis para fabricar subprodutos, como pequenos objetos de decoração. “Em muitos casos, torna-se importante o investimento em tecnologia. Em outros, o importante mesmo é usar a criatividade para inovar”, enfatiza Alves.

 

 

Matéria-prima com inovação e garantia

 

No passado, os móveis eram feitos usando apenas madeira maciça e o maquinário era adaptado a esse tipo de matéria-prima. Com as restrições legais à compra e com a escassez deste tipo de madeira, a indústria moveleira teve que repensar o uso de matéria-prima na confecção de seus produtos. Foi aí que as empresas passaram a fabricar painéis de MDF, MDP, OSB e que pudessem ser utilizados na fabricação dos móveis.

 

O surgimento desse tipo de tecnologia foi a salvação para a indústria de móveis e trouxe um importante aspecto ambiental junto. “Geralmente, estes painéis são feitos a partir de pinus ou eucalipto, ou seja, tipos de madeira provenientes de plantios florestais e, portanto, não há necessidade de retirar madeira de uma floresta nativa”, afirma Alves, acrescentando que, paralelamente, também surgiram máquinas adaptadas ao novo tipo de matéria-prima.

 

A nova tecnologia e maquinário permitiu que a indústria moveleira resistisse às mudanças advindas das restrições legais e da escassez de madeiras nativas no mercado. Mas, embora existam novas matérias-primas, a madeira continua ocupando papel importante na produção de móveis. E para fazer diferença no mercado, o selo de certificação da madeira pode ser um grande aliado.

 

Os principais sistemas de certificação florestal são o Conselho de Manejo Florestal (FSC, na sigla em inglês) e o Programa para o Reconhecimento da Certificação Florestal (PEFC, na sigla em inglês), representado no Brasil pela ABNT/Cerflor. Há menos florestas e produtos certificados pelo PEFC/Cerflor porque o FSC é mais conhecido no País, mas ambos fazem parte da certificação florestal do mesmo modo.

 

Alves explica que tanto o sistema de certificação florestal FSC como o PEFC/Cerflor possuem duas modalidades: certificação de manejo florestal, que certifica as florestas ou unidades de manejo florestal, que podem ser plantios florestais, como de eucalipto ou pinus, ou florestas nativas; e certificação de cadeia de custódia, que certifica a matéria-prima certificada utilizada em indústrias. No primeiro tipo de certificação devem ser cumpridos princípios e critérios que abrangem aspectos econômicos, ambientais e sociais. Na segunda modalidade o aspecto analisado é a rastreabilidade, ou seja, a garantia de que a matéria-prima utilizada no produto tem origem certificada.

 

Ao comprar matéria-prima certificada, a moveleira já atende um dos requisitos que é usar o material certificado. Mas, para garantir a rastreabilidade, é preciso obter a certificação de manejo florestal e certificação de cadeia de custódia. Caso a situação da empresa moveleira corresponda a todas etapas, ela pode chamar uma auditoria para obter a certificação de cadeia de custódia e colocar o selo da certificação em seus móveis, utilizando isso como atributo em seu marketing ambiental. “O ideal, no entanto, é contar com o apoio de consultores ou profissionais especializados para facilitar o processo de certificação na empresa”, alerta Alves.

 

 

Percepção do consumidor

 

Ainda existem consumidores pouco sensíveis à sustentabilidade ambiental, seja por desconhecimento, falta de interesse ou por recursos econômicos escassos, mas o número de pessoas dispostas a pagar a mais por produtos sustentáveis está aumentando. Alves considera que a cultura e o poder aquisitivo são boas explicações para a diversidade de comportamentos de compra em relação aos produtos verdes.

 

“A cultura é a ‘lente’ pela qual as pessoas enxergam o mundo. Assim, alguns veem a sustentabilidade ambiental como algo importante, enquanto que alguns não se importam. Para muitos consumidores é difícil falar de sustentabilidade quando algumas questões ainda estão por resolver, como as despesas básicas do dia a dia: aluguel, alimentação, vestuário, etc. Como pensar em comprar produtos verdes, que geralmente são mais caros, se ganha pouco e há outras prioridades?”, considera o especialista, afirmando que responder a essa questão é bem complexo.

 

Apesar de a atual situação econômica brasileira não ser muito favorável, também há consumidores com maior poder aquisitivo e que estão dispostos a pagar um pouco a mais por produtos verdes. Tanto existem clientes para estes produtos que muitas empresas têm criado "linhas sustentáveis", usando a mesma marca conhecida pelos consumidores. “Basta ir em um supermercado para vermos quantos produtos orgânicos ou cujas embalagens são certificadas, prometendo menor impacto ambiental negativo”, lembra Alves.

 

Matéria publicada originalmente na edição de julho da revista Móveis de Valor.

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