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Uma coisa leva à outra

Revisado Natalia Concentino - 18 de Novembro 2023
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Imagem: Freepik

O tema custo dos juros tem sido discutido intensamente neste ano no País. Iniciamos o ano com a taxa de juros Selic em 13,75% e forte pressão, quer do governo, quer do Legislativo ou da iniciativa privada, para uma significativa redução.

 

Jorge Gonçalves Flho

Eis que o Banco Central, com a experiência de lidar com pressões, foi resistindo e seguindo sua estratégia de redução dos juros, sempre lastreada em justificativas econômicas, em especial o controle da inflação.

 

Saímos de uma taxa Selic de 13,75%, em janeiro para, provavelmente, terminarmos o ano com 11,75%, conforme expectativa apontado no Boletim Focus, do Banco Central, uma redução de 200 base points (ou 2.p.p). Poderia ter ocorrido uma redução maior? Sim. Um menor custo de juros beneficiaria a dinâmica da economia como um todo. Sabidamente, o Banco Central se ancora em razões técnicas para administrar a variação da taxa Selic, em especial no controle da inflação.

 

Na esteira das discussões sobre a Selic versus as taxas praticadas no mercado, surgiu um novo ator: os juros do rotativo do cartão de crédito, que, estando muito acima de taxas razoáveis a serem praticadas no mercado de crédito, atingindo a média anual de cerca de 440% ao ano, chamaram a atenção do Legislativo federal.

 

A Câmara dos Deputados, ao aprovar a Lei nº 14.690, em 3 de outubro de 2023, sancionada sem vetos pelo Executivo, que trata do programa Desenrola Brasil, aliás, uma boa iniciativa para fomentar a retomada da concessão de crédito ao tirar da negativação milhões de consumidores, incluiu a fixação de limites para os juros do rotativo do cartão de crédito.

 

Resumimos, aqui, alguns trechos da lei:

 

1. As instituições deverão adotar medidas de educação financeira direcionadas aos seus consumidores. Uma excelente ferramenta de conscientização para os tomadores de crédito.

 

2. Os clientes terão direito à portabilidade do saldo devedor da fatura de cartão de crédito e de demais instrumentos de pagamento pós-pagos. Estimulará a competição, podendo reduzir os juros reais a serem pagos.

 

3. Os emissores de cartão de crédito e de outros instrumentos de pagamento pós-pagos, como medida de autorregulação, devem submeter à aprovação do Conselho Monetário Nacional, por intermédio do Banco Central do Brasil, de forma fundamentada e com periodicidade anual, limites para as taxas de juros e encargos financeiros cobrados no crédito rotativo e no parcelamento de saldo devedor das faturas de cartões de crédito e de outros instrumentos de pagamento pós-pagos.

 

4. Se os limites não forem aprovados no prazo máximo de 90 (noventa) dias, contado da data da publicação desta lei, o total cobrado em cada caso a título de juros e encargos financeiros não poderá exceder o valor original da dívida. O que significa taxa de juros de 100% ao ano.

 

Quem concede crédito, dimensiona riscos, olha a sua carteira de empréstimos e precifica com juros maiores os devedores de maior risco. Neste caso, por exemplo, encaixam-se os altos juros do rotativo do cartão de crédito. Por outro lado, apesar do risco aumentado quando se concede um parcelamento de prazo longo, muitas vezes de 10, 12, 18 parcelas mensais sem juros, o tomador que consegue pagar em dia, tem um enorme benefício.

 

O parcelamento da venda em parcelas sem juros atrai o consumidor e viabiliza suas compras. Porém, para o varejista que aportou seu capital para vender e vai fazer as antecipações desses recebíveis, perdendo lucratividade, nem tanto; e o banco que assumiu o risco vai fazer elevadas provisões de perdas por inadimplência. Por fim, o consumidor que tomou o crédito, se vier a atrasar, terá enormes dificuldades para saldar sua dívida.

 

Nesse contexto, a partir da data da publicação da Lei nº 14.690, começou a correr o prazo de 90 dias, que findarão em 1º de janeiro de 2024, para que os emissores de cartão de crédito e de outros instrumentos de pagamento, que abrangem emissores e adquirentes, como bancos, financeiras, varejos, fintechs, empresas de maquininhas, etc., apresentem uma proposta que reduza os juros praticados no rotativo do cartão de crédito.

 

Obviamente, a proposta a ser apresentada deverá ter juros em 12 meses, no máximo, igual ou inferior ao previsto na nova lei, ou seja, 100%. É uma diferença de 340% p.p frente ao juros médios de 440% praticados atualmente. Uma redução significativa.

 

Parece simples, mas não o é.

 

A partir do momento em que os stakeholders envolvidos, por meio das suas entidades, iniciaram o trabalho de elaborar uma proposta para apresentar ao CMN, por meio do Banco Central, cada participante tem apresentado pontos e contrapontos, em geral, defendendo os interesses dos seus associados.

 

Os bancos, sempre eficientes na defesa dos seus interesses, procuram vincular a redução dos juros do rotativo do cartão de crédito à redução do número de parcelas da modalidade de financiamento do parcelado sem juros, argumentando que quanto maior o prazo de parcelamento maior a inadimplência e que os elevados juros praticados no rotativo (440%) subsidiam a elevada inadimplência do parcelado sem juros.

 

As adquirentes (empresas de maquininhas) afirmam que a eliminação ou a forte redução do parcelado sem juros retirará a possibilidade da receita das antecipações de recebíveis, restando apenas as taxas de intercambio, inviabilizando-as.

 

Em contraponto ao argumento dos bancos, sobre quando o prazo de parcelamento é longo, maior é a inadimplência, apresentaram estudos de que no curto prazo a inadimplência é ainda maior por conta do maior valor da parcela.

Idem posicionamento o das fintechs.

 

Todos acima defendem os resultados dos seus associados participantes do ecossistema de cartões de crédito e que seriam prejudicados com a significativa redução dos juros previstos na nova lei. Dado a isto, outros fatores não abrangidos pela lei deveriam ser abordados e implantados, pode-se dizer que visarão a uma compensação na redução dos resultados.

 

leia: Luiza faz ajuste de R$ 830 mi no PL para corrigir erros contábeis

 

E o varejo?

 

Em uma correta iniciativa do Banco Central, o varejo foi convidado para as reuniões de trabalho junto com as diversas entidades representativas do setor financeiro para o desenvolvimento da proposta a ser apresentada ao CMN.

 

A participação do varejo está sendo relevante, pois traz para as discussões a visão do mercado, do consumidor, do varejo e serviços de todos os portes, da importância da não eliminação do parcelado sem juros, dos custos das transações e da oportunidade da manutenção e ampliação da oferta de crédito ao consumo, quer seja em parcelas sem ou com juros.

 

O cartão é o meio de pagamento de maior relevância do mercado e atingiu a cifra de R$ 1,7 trilhão de valor transacionado, com crescimento de 8% no primeiro semestre de 2023. E o cartão de crédito respondeu por R$ 1,1 trilhão, cerca de 65% do total, de acordo com os dados publicados pela Abecs. A modalidade do parcelado sem juros, ainda de acordo com a Abecs, respondeu por 73,1% do crédito disponibilizado pelo SFN destinado às pessoas físicas. A relevância do pagamento via parcelado sem juros é inquestionável.

 

Nas reuniões com a participação do Banco Central e outras externas entre os envolvidos na formulação da proposta, muitos pontos que merecem ser tratados foram levantados, além do ponto central que é a redução dos juros do rotativo do cartão de crédito.

 

Contudo, há um fator fixo, o prazo de 90 dias que a lei estipulou para a apresentação e aprovação da proposta, que é por demais exíguo para solucionar todos os pontos até o momento levantados.

 

Então, muito provavelmente, em função do curto prazo, restará aceitar em um primeiro momento os 100% de taxa de juros que a lei determinou e criar um programa de trabalho para tratar todos os demais pontos levantados, que, segundo cada entidade participante, não podem ser deixados de lado. Isto demandará tempo.

 

Cabe registrar a abertura proporcionada pelo Banco Central em ouvir todos os stakeholders, corretíssima, mas certamente dificulta uma solução de consenso, que necessariamente será encontrada, evitando-se a adoção do tabelamento forçado pela lei, que vai contra a livre competição, mas está gerando efeitos positivos.

 

A participação do varejo em um tema típico do sistema financeiro, que deixou de ser intramuros, tem elevado potencial de trazer benefícios ao varejo, aos consumidores, à dinâmica do sistema financeiro e, consequentemente, ao Brasil.

 

Por princípio, o IDV não apoia nenhum tipo de limitação ou tabelamento de juros, quer seja para juros do rotativo do cartão de crédito ou para o parcelamento da venda ao consumidor por qualquer modalidade.

 

Entendemos que deverá ser encontrada uma solução de mercado, aceitável por todos os envolvidos, mesmo após o prazo determinado pela lei, para não afetar a oferta de crédito ao mercado e que crie ambiente para o aumento do movimento de vendas do varejo e serviços.

 

*Por Jorge Gonçalves Filho, presidente do Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV).
 

Fonte: https://mercadoeconsumo.com.br

 

 

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