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Adelino Colombo: o que me assusta são os impostos

Por Edson Rodrigues - 08 de Julho 2014
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Adelino
Aos 83 anos, Adelino Colombo não deixa nem passar pela cabeça a ideia de se aposentar. Cheio de energia, o fundador da Lojas Colombo, quinta maior rede de eletrodomésticos do Brasil, faz questão, ainda hoje, de comparecer todos os dias ao escritório da empresa em Farroupilha, onde mora.
Sempre que pode, também visita uma das 255 unidades da rede espalhadas pelos três Estados da Região Sul. Nascido em uma família de pequenos agricultores, começou vendendo TVs de porta em porta. Comanda uma rede de faturamento bilionário e, 55 anos depois de abrir a primeira loja, continua a imprimir sua personalidade ao negócio. Enquanto concorrentes têm corrido à bolsa de valores para angariar investidores e ganhar musculatura em um mercado cada vez mais competitivo, Colombo insiste em seguir carreira solo: “Sócio me dá coceira. Se algum dia precisar de dinheiro, posso fazer empréstimo no banco”.

Em entrevista ao jornal Zero Hora, Adelino contou como encara o assédio das concorrentes para comprar sua empresa, falou sobre a tentativa frustrada de entrar no mercado paulista e explicou por que não pretende que nenhum dos quatro herdeiros o suceda no comando da Colombo.

O senhor é conhecido por gostar de pescarias e de fazer bons negócios. Qual é o segredo para fisgar o cliente?
Quando tinha 17 anos e era balconista em um armazém em Farroupilha, minha maior preocupação eram os clientes e os funcionários. Não se faz empresa sem gente. É o mesmo na pescaria. O importante é atrair o peixe. Para isso, é preciso ter a isca certa, o anzol adequado, senão não fisga. Mais do que uma loja de eletrodomésticos, a Colombo é uma prestadora de serviço. Até hoje, 55 anos depois, se precisar, eu interfiro para resolver o problema de algum cliente. O importante é sair satisfeito. O respeito ao colaborador também é muito grande.

Quando decidiu que seria comerciante?
Sou oriundo de uma família de pequenos agricultores no interior do Rio Grande do Sul. Aos 11 anos, terminei o primário e tinha muita vontade de estudar, mas meu pai não tinha condições de me matricular em um colégio para que eu me preparasse para o vestibular.

Então foi trabalhar?
Só me restou essa alternativa. Dos 11 até os 15 anos, ajudei meus pais em casa com agricultura familiar. Um dia, durante um almoço de domingo na casa de meus avós paternos, meu pai e meus tios conversavam sobre um forasteiro que tinha aparecido na missa naquela manhã. Um tio achava que, pela aparência, era um advogado. Outro, que era médico. Lembro bem da opinião do meu pai: "Pelo traje, ele é comerciante". Escutei aquilo e pensei: "Se comerciante se veste bem, então é o que vou ser".

Quando descobriu o talento para vender?
Minha mãe costumava ir até a cidade vender produtos da horta e, um dia (em 1948), voltou dizendo que o funcionário do armazém do seu Manoel, o maior da cidade, tinha sido demitido e que havia conseguido uma entrevista de emprego para mim. Não dormi a noite toda pensando se o patrão ia me considerar "fraquinho" para a vaga. Eu não era encorpado e, naquela época, tudo era vendido a granel.

Era preciso ter força?
Sim, para carregar sacos de arroz, feijão. O salário não era alto, mas fiquei na casa dele, ganhava comida e roupa lavada, não me importei. Os primeiros dias foram difíceis. À noite, estava exausto. Mas gostei desde o começo. Estava onde queria, atendendo aos clientes. E, modéstia à parte, ia bem.

Foi daí que surgiu a vontade de ter o próprio negócio?
Sim. Lá eu comecei a planejar meu futuro. Afinal, um dia queria ser dono. Mas ganhando o que eu ganhava, não tinha condição nenhuma. Um tempo depois, o seu Manoel, meu patrão, abriu uma filial e me colocou como gerente. Depois de alguns meses, me chamou para uma reunião e fez uma proposta. Queria vender o armazém principal para mim e para outros dois funcionários. Cada um teria 33% do negócio. Ele venderia as mercadorias a preço de custo e nós teríamos 90 dias para pagá-lo. Não pensei duas vezes: aceitei!

Mas o dinheiro não era curto?
Eu tinha de pagar 100 mil cruzeiros em três meses. Minhas economias eram só de 3 mil cruzeiros. Faltavam 97 mil. Hoje não acredito que tive coragem para aceitar. Foi uma loucura E não é que no final das contas eu arranjei o dinheiro para pagar o homem?

Foi assim que nasceu a Colombo?
Não, foi mais adiante. Depois de dois anos, eu e meus dois sócios também abrimos uma filial. Como sociedade nem sempre dá certo, resolvemos nos separar. Como eu tinha a menor parte da sociedade, fiquei com a filial. Aí, sim, a Colombo nasceu.

E quando o armazém se transformou em uma loja de eletrodomésticos?
Eu tinha um primo que trabalhava em uma oficina de manutenção de rádio eletrônico. Às vezes, no final de semana, ele montava seus próprios rádios. Eu levava esses aparelhos para o meu armazém e revendia. Pagava 100 para o primo e vendia os rádios por 200 (cruzeiros, a moeda da época). Ali comecei a sentir o gosto de vender produtos com maior valor agregado (de maior valor por unidade).

Como funcionava o varejo no Brasil 55 anos atrás, quando a Colombo começou?
Sempre fui muito curioso. Um dia fui a São Paulo para conhecer o comércio lá. Vi empresas cheias de mercadorias, com um movimento fantástico. Voltei impressionado. Aproveitei e comprei liquidificador, ferro elétrico, enceradeira, batedeira no atacado e passei a vender na minha loja. Eu comprava por carta. A venda era feita na caderneta. Não tinha cheque nem cartão. Imagina como era somar tudo no final do mês... Toda semana, eu vinha a Porto Alegre fazer compras e, quando me sobrava um tempinho, dava uma volta pela cidade. Um dia, passando pela Rua Dr. Flores, vi na vitrine uma maravilha: uma máquina calculadora! Na época, era uma novidade. Era enorme. Não tinha 10 teclas como hoje, eram mais de 100 teclas, mas somava. Saía a fita que era uma beleza! Entrei na loja e fui falar com o vendedor. Ele me fez a seguinte proposta: se eu comprasse duas calculadoras me daria a segunda com 30% de desconto. Comprei sem nem saber o que ia fazer com a segunda. Acabei vendendo para um vizinho pelo preço cheio. E a minha acabou saindo 60% mais barato. Então, decidi montar uma loja de eletrodomésticos.

O primeiro produto da Colombo foi uma máquina de calcular?
Não. Levei não só a máquina de calcular, mas também a de escrever. Também levei uma geladeira para o interior e, em poucas horas, vendi. O padeiro passou lá e ofereceu levar a geladeira em troca de pão. Fiz as contas. Em três meses, a dívida se pagaria. Fechei negócio. Como deu certo, voltei para comprar outra. E outra e mais outra. Assim começou a loja. Sem capital, como a grande maioria no Brasil.

Como começou a venda de televisores?
Em 1959, foi inaugurada a TV em Porto Alegre. A maioria sabia que existia, mas nunca tinha visto. Pouco depois, eu estava no balcão quando chegou um senhor todo engravatado e estacionou o carro na frente da loja. Ele desceu e perguntou se poderia instalar o aparelho de TV para ver se captava bem a imagem. Estávamos a 120 quilômetros de Porto Alegre, não havia muitas antenas, acabei deixando. Ele instalou e captou uma imagem fantástica. À noite, colocamos na porta da loja, e a cidade toda foi ver TV. Fechou a rua, veio a polícia, uma loucura. No dia seguinte, era só o que se falava na cidade. Naquela noite, fiz um levantamento para saber quais famílias de Farroupilha teriam recursos para comprar um televisor. Cheguei a quatro. E encomendei quatro unidades. Uma semana depois, recebi carta da fábrica avisando que não enviaria o pedido porque o valor da encomenda era maior que o patrimônio da loja. E era mesmo!

No início, o senhor vendia os televisores de porta em porta. Foi hostilizado?
Sabe como funciona o varejo? Se alguém vê algo que vai bem, já monta um negócio semelhante. Um tempo depois, o maior comerciante de Farroupilha na época abriu uma loja de eletrodomésticos. Uma loja enorme, bonita e na mesma rua que a nossa. Concorrência pesada. Acabou com meu negócio na cidade. Imagina duas lojas em um município de 8 mil habitantes. Percebi que precisava buscar novos mercados. Falei para minha mulher tomar conta do armazém e fui para Caxias do Sul, a praça mais próxima. Ia de ônibus mesmo. Nem estrada tinha direito. Chegando lá, fui até a casa de um conhecido e fiz a mesma estratégia que eu tinha visto funcionar um tempo antes. Pedi para instalar um televisor para "ver se captava bem a imagem". Em tese, ele não tinha compromisso nenhum de comprar. Seria só um "teste". Quando a mulher dele viu o televisor funcionando, se apaixonou, quis comprar. Pedi indicações de outros possíveis compradores para essa senhora. Ela, que não era boba, disse que indicaria, sem problemas, se eu lhe desse uma comissão pelos contatos. Fechei negócio. A partir daí, saí vendendo televisores em tudo que é bairro de Caxias do Sul. Varri a cidade de ponta a ponta. Restaurante, hotel, armazém, banco, tudo com a mesma conversa. Eu pedia para instalar, testar a qualidade da imagem, e o produto seduzia o cliente. Quando tinha criança, então, era mais fácil ainda. Vendíamos tantos televisores que não dávamos conta de instalar tudo.

Tem um ditado de que onde há prefeitura e igreja também há uma Colombo. A ideia ainda é se expandir no Interior ou o momento é de focar em grandes centros?
O mercado maior é melhor. Hoje só abrimos lojas novas em cidades que comportem mais consumo. Não abriremos mais em municípios muito pequenos. Estamos inaugurando uma loja no bairro Bom Fim nas próximas semanas. Em Porto Alegre, qualquer lugar que eu abrir uma loja é sucesso. No Interior, a escolha precisa ser mais seletiva.

É mais fácil iniciar um negócio agora ou no passado?
No passado era mais fácil. Hoje o mercado é muito maior, e os concorrentes, também. E isso exige mais capital, bom ponto de negócio, ótimo preço, variedade de produtos e excelente atendimento. E isso você não faz se não tiver experiência e dinheiro. Hoje não dá para começar engatinhando, tem que já sair correndo. E quem, mesmo assim, quer empreender precisa saber economizar. Nós ficamos de 1960 a 1974 sem gastar nada. Tudo que ganhávamos reinvestíamos na empresa. Fui morar em um apartamento próprio no dia que completei 25 anos de casado. Morei 25 anos pagando aluguel para não precisar tirar dinheiro da empresa.

No varejo, preocupam mais os níveis de inadimplência ou a alta do juro?

O juro, sem dúvida. A inadimplência é baixa, não é bicho de sete cabeças. O brasileiro, e especialmente o gaúcho, é bom pagador. O que me assusta de verdade são os impostos. É a carga tributária. Mas sou otimista. Continuo trabalhando e investindo. Agora quero construir uma loja nova em Tramandaí e já estou vendo outra em Viamão.

Imposto alto não inibe investimento?

O imposto não sou eu quem paga, é o consumidor. Encarece o produto. Se na minha empresa eu mesmo disser para o cliente não comprar porque o país está em crise, aí quem entra em crise sou eu! O meu lema é "Não fale em crise, trabalhe". Trabalhe, faça economia. Ninguém arruma a vida sem fazer economia.

Aposentadoria está nos planos?
Trabalho o dia todo e com prazer. Se me disserem para ficar em casa eu nem sei o que fazer. Jogar carta na bodega? Sentar na praça? Nada disso. Não tenho esse espírito.

Como o senhor projeta os próximos 55 anos da Colombo?
Independentemente do ramo do negócio, crescer é questão de sobrevivência. E continuar sendo rentável, claro. O que é uma tarefa muito difícil hoje em dia no varejo. As margens são muito pequenas. E para viver num ambiente desses é preciso fidelizar o cliente. Essa é a solução.

É cogitada a entrada de um sócio?

Não. Sócio me dá coceira. Se eu precisar de dinheiro algum dia, posso fazer um empréstimo no banco. Recebo a toda hora oferta de investidores, mas eu não quero. De jeito nenhum.

Há três anos, o senhor contratou um superintendente para ser seu braço direito na Colombo Ele tem quase 50 anos a menos que o senhor. Como é essa relação de duas gerações tão diferentes?
Tenho cinco diretores e um superintendente. O Rodrigo Piazer veio da indústria, não tem o cacoete do comércio, mas está indo muito bem. Me dá tranquilidade e hoje tenho o privilégio de chegar um pouco mais tarde e sair um pouco mais cedo. É um rapaz inteligente e com espírito de liderança.

O senhor tem quatro filhos. Não sonha que algum assuma a empresa?
Ninguém da família está na empresa. Cada um tem seu próprio negócio. Quero uma gestão profissional. Tenho apenas um neto trabalhando comigo, mas vai ficar por aqui somente enquanto estiver estudando. Quando se formar na universidade, terá de procurar o próprio rumo. Não dá para encher a empresa de cunhado e parente. Não dá certo. Na minha família, cada um deve fazer a própria vida. O mais importante é que o negócio esteja bem para que possa distribuir dividendos. Estou preparando meus filhos e netos para serem acionistas.

Voltará a investir em São Paulo?
No momento, não é o objetivo. Mas a chance existe. O mercado de São Paulo é ótimo, mas exige mais preparação. Chegar com força.

O assédio das concorrentes para comprar a Colombo é muito grande?
Diminuiu. De tanto eu recusar ofertas, acho que o pessoal entendeu o recado. Vez ou outra ainda me ligam, mas nem escuto a proposta. Já vi muita empresa ser vendida, mas nenhum dos antigos proprietários está bem. Nenhum. Pelo contrário, alguns estão muito mal. Muitos venderam lá na época da inflação alta, e a inflação comeu o dinheiro deles. Estão pobres. É preciso manter a empresa saudável para que possa gerar lucros e dividendos para a família viver. Sempre digo para meus filhos: a empresa é a vaca, não queiram comer a vaca. Vamos nos contentar com o leite.

Pensa em comprar outras redes?
A Colombo comprou uma porção de lojas menores no passado. Hoje não tenho interesse. Qualquer loja que eu compre nos três Estados do Sul se sobrepõe ao meu negócio. Um dia vamos retornar a São Paulo. Mas para ir até lá precisamos nos preparar melhor.

O senhor compartilha do pessimismo da maioria do empresariado?
Outro dia fui comprar um tênis em Farroupilha e o dono da loja me contou que pensava em vender o negócio porque a economia estava mal. Eu penso o contrário. O Brasil vai bem. Um país que não tem desemprego! É só ver as estradas. É automóvel e caminhão para todo lado. Todo dia, uma fábrica nova. O que vai mal é o governo, que não investe em infraestrutura, não faz estrada. O governo não consegue ajudar a economia.

Foto: Bruno Alencastro / Agencia RBS
 

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