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Cresce número de mulheres nas marcenarias

Por Jeniffer Oliveira - 25 de Janeiro 2019

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Quando a catarinense Manu Reyes, circula pelas ruas do Brás, bairro paulistano que concentra madeireiras, lojas de ferragem e comércios do gênero, comprando pregos e carregando madeiras pesadas, é vista com certo estranhamento. “São poucas as mulheres que montam uma marcenaria. E eu sou daquelas que acompanham todo o processo de confecção das peças”, afirma a designer, que desenha móveis há sete anos, mas abriu sua marca há apenas um. Formada em arquitetura em 2009, Manu passou três meses em Milão com o arquiteto Riccardo Blumer, outros dois com os Irmãos Campana na França, e decidiu o rumo de sua carreira. Assim, durante sete anos, se especializou na construção de móveis com as técnicas da marcenaria tradicional. Nos últimos quatro anos, fez cursos com o marceneiro paulistano Rodrigo Silveira. “Trabalhar com madeira é sempre um desafio, e eu me encantei. É um material que tem vida própria, deforma... As possibilidades são infinitas”, considera, acrescentando que gosta de criar peças multifuncionais. “A estante Paralelo, por exemplo, serve como rack ou aparador”, exemplifica.

 

Rodrigo Silveira, que também é dono da marcenaria O Rodrigo que Fez, percebeu um aumento significativo de mulheres em suas aulas – há seis anos elas representavam 30% dos alunos, hoje metade das turmas são femininas. “O primeiro processo da marcenaria é muito bruto. O trabalho braçal é desgastante e a prancha, muito pesada”, diz Rodrigo, enfatizando que isso está longe de ser um impedimento para as moças. “O homem faz, mas se acaba fisicamente. A mulher usa o cérebro, pensa como carregar a matéria-prima sem fazer a força, a apoia em cima de um carrinho... Faz acontecer”, afirma o professor, acreditando que quem tem de correr para virar esse jogo, no fim das contas, é o grupo masculino. “Depois da etapa bruta, eles precisam mudar uma chave para fazer o trabalho mais refinado. Elas, não. Desde o início estão com essa chave ligada. O cuidado com que você trata a madeira desde o primeiro momento faz toda a diferença no resultado final”, explica ele, que passou a contratar mais aprendizes mulheres.

 

Há quase dois anos tocando sua marca, a Studio Massa, a designer pernambucana Renata Távora Brennand, também passou pelas aulas de Rodrigo depois que voltou ao Brasil, após uma temporada em Santa Monica, na Califórnia, onde fez uma pós-graduação em design de interiores e especializou-se em mobiliário. Formada em administração, batia ponto em bancos havia sete anos, quando decidiu morar fora. “Sabia que não voltaria para a área de finanças. Minha rotina era desgastante, e me dei conta de que queria trabalhar com algo pelo que tivesse paixão”, conta Renata, explicando que a virada em sua rotina aconteceu com o casamento, quando decidiu desenhar os móveis para o novo apartamento. “Foi nesse momento que meu interesse cresceu e entendi que era isso que faria dali em diante.” Atualmente, bancos só se forem para sentar, mas também há poltronas, mesas laterais, espelhos e várias outras peças, desenvolvidas com a junção da madeira a outros materiais, como o aço.

 

Veteranas da madeira

 

Referência para a nova geração, a designer de móveis Julia Krantz, foi uma das primeiras a ganhar projeção, tanto nacional como internacional. “Esse mundo ainda é muito masculino. Mas há cada vez mais de nós nas oficinas”, observa ela, que está há quase 20 anos na área e possui peças na Galeria R & Company, em Nova York. As formas orgânicas e sinuosas das peças são inspiradas na natureza: pode ser o movimento das ondas do mar, as férias na praia ou tronco torto de uma árvore.

 

Antes de se decidir pela profissão, estudou piano e dança moderna. Ainda sem certeza de para que lado direcionaria sua vida, aproveitou a facilidade que tinha para desenhar, entrou na faculdade de arquitetura e descobriu que trabalharia com a madeira. Para ela, a marcenaria é um exercício de meditação. “É vital para eu respirar. Por melhor que você saiba fazer, não dá para automatizar. Ele me ensina que tenho de estar aqui, agora”, explica Julia

 

Seis anos depois de terminar o ensino superior, a empresária passou uma década visitando semanalmente o ateliê do designer japonês Morito Ebine, em Santo Antônio do Pinhal (SP). “Ele me ensinou a marcenaria tradicional japonesa, com a forma de encaixe sem o uso de parafusos”, afirma, acrescentando que um dos pilares que aprendeu com Morito é a durabilidade. “Para ele, uma peça deve ter vida útil de, pelo menos, 100 ou 200 anos, tempo que uma árvore leva para crescer”, afirma, explicando que a partir daí, passou em focar em madeira maciça. Isso quer dizer que a matéria-prima com que trabalha costuma pesar muito. “As pessoas se surpreendem, acham que a mulher não vai conseguir carregar. Basta saber a medida do que você pode fazer. Todos sofremos igual”, considera, referindo-se aos dois ajudantes .

 

Contemporânea de Julia, a paulistana Juliana Llussá, dona da Llussá Marcenaria, afirma que já sentiu receio de alguns colaboradores pelo fato de ser mulher e que isso ocorreu mais de uma vez. “A confiança é conquistada todos os dias. Eu mesma começo a construir uma peça às vezes para mostrar que sei fazer, isso faz diferença”, conta ela, que trabalha com uma equipe de quatro homens. Com três faculdades na bagagem – arquitetura e urbanismo, administração e artes plásticas –, foi no terceiro ano da FAU-USP que desenvolveu uma cadeira e nasceu ali o interesse pelo design de mobiliário. “O principal desafio de trabalhar com a madeira é saber utilizá-la de forma a aproveitar da melhor maneira a resistência, a cor, os veios e todas as nuances que ela oferece”, diz Juliana, que tem a própria marcenaria desde 2002.

 

Atualmente, Juliana procura adaptar suas criações às necessidades de seus clientes. “É um desafio desenvolver peças com utilidades múltiplas: um móvel compacto, que possa ser colocado na sala, para guardar documentos e apoiar o notebook”, conta, relembrando que o gosto por projetar e construir coisas nasceu aos 6 anos, época em que morou em um sítio na cidade de Jarinu, interior de São Paulo. Junto a seu irmão, formatava pequenas casas com restos de tijolos, cimento, areia, galhos e folhas que encontravam na mata. Hoje, ela viaja quase todos os fins de semana para o campo e gosta de receber os amigos em casa, no conforto de seus móveis.

 

(Com informações da Marie Claire)

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