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Crise do varejo se espalha por construção, móveis e decoração

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O varejo brasileiro de móveis, decoração e materiais de construção atravessa um período difícil de vendas, após o boom nos primeiros dois anos da pandemia. Consumidores reduziram o apetite por reformas e renovação dos móveis da casa, em um ambiente em que os juros elevados desencorajam a tomada de crédito. Empresas do segmento adaptam planos de expansão, ajustam operações, fazem promoções de até 80%, fecham lojas e renegociam dívidas, como é o caso recente da Tok&Stok.

 

 

Na última semana, a Lojas Renner, uma das maiores redes do país, informou o fechamento de 13 lojas da Camicado, sua marca de artigos de casa e decoração, ou 10% do portfólio. 

 

A MadeiraMadeira e a C&C (Casa & Construção) também estão fazendo ajustes em suas redes de lojas. No primeiro caso, a startup reduziu em mais de 20% o número de lojas físicas desde março de 2022. 

 

A MadeiraMadeira, marketplace curitibano de móveis e decoração que já foi apontado como unicórnio candidato à abertura de capital pela consultoria americana PitchBook, decidiu fechar sua Guide Shop (espaço comercial físico onde o consumidor pode ver os produtos de uma loja online) na cidade de Cotia, na Grande São Paulo, confirmou a startup em e-mail enviado à Bloomberg Línea (notícia já publicada no portal Móveis de Valor). “Essa ação faz parte da revisão do portfólio de lojas, e de olhar quais performam melhor, seguindo com a estratégia da empresa de omnicanalidade”, informou a MadeiraMadeira.

 

O site da MadeiraMadeira lista hoje 90 lojas físicas, 25 menos unidades do que o total divulgado à imprensa em março do ano passado (115), quando se intitulava a “maior loja de móveis da internet”. No mês passado, a plataforma digital chegou a divulgar uma promoção oferecendo desconto de 80% em toda a linha de produtos da Casatema, marca com foco em móveis infantis e adquirida no ano passado, após uma onda de demissões que cortou 3% do seu pessoal.

 

Para gerar caixa rápido, a Tok&Stok também promoveu “queimas” de estoques, em abril, com descontos de até 50%, antes de desativar suas unidades deficitárias.

 

O momento adverso para empresas de casa e decoração é desfavorável não só na maior cidade do país. Em abril, houve uma queda de 3,3% nas vendas do setor de bens duráveis e semiduráveis no país, afetado principalmente pelo segmento de materiais para construção, segundo dados da Cielo, empresa líder em pagamentos eletrônicos no Brasil.

 

O ICVA (Índice Cielo do Varejo Ampliado), com base em dados de vendas de 18 setores mapeados, de pequenos lojistas a grandes varejistas, apontou o setor que relativo a materiais para casa e construção como o único com queda nas vendas no mês passado. O melhor desempenho foi o do segmento de recreação e lazer (alta de 3,8%), seguido pelo setor em que estão farmácias (3,1%).

 

Lucros menores

 

No primeiro trimestre deste ano, diversas companhias abertas da B3, ligadas ao consumo das famílias, reportaram balanços considerados decepcionantes, culpando o impacto do aperto monetário em suas despesas financeiras, principalmente para rolagem de dívidas atreladas à taxa Selic, mantida em 13,75% pelo Banco Central no dia 3, além do aumento da inadimplência, a escassez do crédito após a recuperação judicial da Americanas, que levou os bancos a aumentarem spreads e a endurecerem os critérios de concessão de crédito.

 

Os sinais emitidos pelas referências da cadeia da construção vieram negativos. A Dexco, dona das marcas Deca, Portinari, Hydra, Duratex, Castelatto, Ceusa e Durafloor, é um dos principais termômetros do ritmo das obras e reformas no país, atuando na produção de louças e metais sanitários, painéis de madeira e revestimentos.

 

O faturamento da Dexco caiu 19,7% entre janeiro e março para R$ 1,7 bilhão, na comparação anual. O lucro líquido encolheu 45% para R$ 109 milhões no primeiro trimestre, em relação ao mesmo período do ano passado. As ações da companhia já se desvalorizaram 11% no ano e 45% em 12 meses.

 

“Os primeiros meses de 2023 foram de reconhecida instabilidade econômica no país. Trata-se de um fenômeno que atingiu diversos setores da economia, entre eles os segmentos de construção, reforma e bens de consumo”, disse Antonio Joaquim de Oliveira, CEO da Dexco, no balanço.

 

Freio na expansão

 

Na B3, a última companhia do segmento a abrir capital foi a Mobly, em fevereiro de 2021. A abertura de lojas físicas era apontada como um dos pilares de crescimento na tese do IPO (oferta pública inicial), mas o plano não saiu como o inicialmente planejado. Até a última sexta-feira (5), as ações da empresa, mais focada na venda online na capital e interior paulista, acumulam queda de quase 38% em 2022 e de 61% em 12 meses. Desde o segundo semestre do ano passado, há alertas no mercado sobre a fraqueza do varejo desse segmento.

 

 

“Para reduzir o consumo de caixa, limitamos nossos planos de expansão de lojas em 2022, com apenas uma megastore sendo aberta”, admitiu a Mobly, em relatório divulgado em março, sobre seu resultado do quarto trimestre.

 

A companhia, que fechou 2022 com prejuízo líquido de R$ 90 milhões, reconheceu que “o varejo enfrentou inúmeros desafios em 2022, incluindo alta da inflação, aumento do desemprego e aumento dos custos, resultando em vendas reduzidas e menor Ebitda”.

 

A Mobly possui 22 unidades, tanto megastores (9) como outlet (8) e franquias compactas (5), segundo seu site. No início de 2022, eram 14 - a expansão foi mais via franquias.

 

A varejista digital de casa e decoração chegou a negociar uma fusão com a Tok&Stok, mas as conversas não evoluíram. Uma fonte do setor disse que a dívida (R$ 600 milhões) da Tok&Stok desencorajou a fusão.

 

Além disso, a controladora da Mobly, a alemã Home24 (51,16%), foi adquirida no final de 2022 pelo grupo austríaco XXXLutz, um dos três maiores varejistas de móveis do mundo, com mais de 370 lojas distribuídas em 13 países da Europa.

 

Antes de admitir o interesse em combinar os negócios com a Tok&Stok, a Mobly tinha começado a estreitar relações comerciais com a Telhanorte, maior rede de lojas de materiais de construção do Brasil, por meio de uma parceria em que os produtos mais vendidos pela Mobly também eram comercializados pela Telhanorte.

 

Rumo ao Nordeste

 

Outro player relevante desse mercado de casa, construção e decoração é a Leroy Merlin, fundada na França e que está há 24 anos no Brasil com 45 lojas físicas em grandes formatos, presente em 12 estados do Brasil. A marca é parte integrante do Grupo ADEO, gigante do mercado internacional da bricolagem, considerada o terceiro maior do setor de materiais de construção no mundo.

 

 

A Leroy Merlin tem ampliado sua penetração geográfica no Brasil, apostando na maior presença no Nordeste, onde os analistas veem potencial de crescimento devido aos aguardados estímulos governamentais à construção civil voltada para a baixa e média renda.

 

Até o final deste ano, a companhia pretende inaugurar sua quarta unidade nas principais cidades turísticas do Nordeste, um investimento de R$ 190 milhões. Será em Salvador, na capital da Bahia, onde as obras começaram no final de 2022.

 

A varejista de soluções para o lar já possui lojas em Fortaleza, no Ceará, Natal, no Rio Grande do Norte, e Maceió, em Alagoas.

 

Construção à espera de juro subsidiado

 

Os estímulos ao segmento de casa e decoração dependem da maior atividade no mercado imobiliário e no setor de construção civil, que ainda aguarda o anúncio pelo governo federal das condições dos financiamentos para o programa habitacional MCMV (Minha Casa Minha Vida).

 

Ainda há incertezas sobre as regras da nova versão do programa, pois o STF (Supremo Tribunal Federal) ainda não concluiu um julgamento que pode alterar a taxa de correção monetária do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), origem do funding do MCMV.

 

A expectativa do setor da construção é que o órgão máximo do Judiciário retome a votação no próximo dia 24. A decisão é importante porque pode encarecer o crédito imobiliário dentro do MCMV.

 

“Entendemos que o fardo do novo rendimento deverá ser carregado pelo governo de forma a evitar impactos no MCMV, que é uma das principais bandeiras históricas do governo Lula, provavelmente apenas atrás do Bolsa Família”, diz Eduardo Nishio, head de research da Genial Investimentos, em relatório sobre a recente queda nas ações das incorporadoras de baixar renda na B3.

 

O cenário geral ainda é pouco estimulante. Pelo terceiro trimestre consecutivo, a taxa de juros elevada foi apontada como o principal problema enfrentado pela indústria da construção, segundo sondagem divulgada pela CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da Construção).

 

Nesta semana, o mercado vai olhar com lupa os resultados financeiros do setor na B3. Quatro incorporadoras divulgam balanços do primeiro trimestre: Cury (9), MRV, Cyrela e EZTEC (11), além da Direcional, informou na segunda-feira (8) um lucro líquido de R$ 58,8 milhões (alta de 120% sobre o mesmo período do ano passado). O calendário de resultados do mês inclui ainda a JHSF no próximo dia 15.

 

(Com informações da bloomberglinea.com.br)

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