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Pandemia provoca um descompasso no mercado

Por Natalia Concentino - 07 de Agosto 2020
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*Por Inalva Corsi, editora da Móveis de Valor

Em meados de março, quando chegou a pandemia e junto com ela o advento do isolamento social, fomos todos impactados. Com a pressa das autoridades em fechar todo o comércio, os industriais concluíram que não tinham motivo para continuar a produção e nem manter as compras de matérias-primas. A maioria foi além, realizando demissões ou aderindo aos programas de redução de jornada, mantendo os estoques de insumos e de produtos acabados em níveis mínimos. O varejo, que já não via necessidade de manter estoques antes, porque, com o mercado ofertado, tinha sempre alguém para entregar a toque de caixa, acelerou processos de acesso ao digital, visando manter suas vendas através de meios não presenciais.

Como todos sabem, até maio o ritmo do setor foi lento. E em meio a tantas incertezas sobre o fim do isolamento ou – de outro lado – a adoção do lockdown, os números do e-commerce começaram a surpreender, embora a representatividade sobre o total continue pequena. Mas – nova surpresa – o cenário mudou no início de junho com a reabertura das lojas. O consumidor foi em busca de peças que aumentassem o seu conforto em casa. Aliás, este foi um dos maiores legados da pandemia até aqui: as pessoas perceberam demandas e necessidades que não viam antes. A troca do sofá e do colchão velhos passou a ser urgente. E o recurso que não foi gasto no shopping, nem nos restaurantes durante o período de isolamento, está ajudando a viabilizar a compra de móveis.

Porém, paradoxalmente com o aumento da demanda começou outro problema. As indústrias não tinham estoque de produtos prontos para atender à necessidade imediata de reposição das lojas. Para piorar, os fornecedores de matéria-prima e insumos também não haviam se preparado para a retomada e muitos, que importam mercadorias, suspenderam momentaneamente os pedidos. Estava pronta a desorganização perfeita do mercado.

Insumos em alta e em falta

A bem da verdade, ainda faltava um componente para a tempestade perfeita: o aumento no preço dos insumos. Conforme apuramos junto às indústrias, o reajuste médio no preço dos painéis de madeira até agora chega a 14%, o papelão aumentou 12%, ferragens e tintas 10%, em média, e espelhos mais de 20%. Mas, o maior problema, segundo alguns empresários ouvidos, está na restrição do abastecimento. “Os fornecedores também ficaram parados e só agora estão retomando o ritmo”, afirma Giancarlo Bega Pizza, diretor da Madetec Móveis, de Arapongas (PR), acrescentando que tem feito programações de compra com prazos maiores. “Costumávamos trabalhar com programação para 10 dias e já estamos com 30 dias. E, ainda assim, às vezes precisamos fazer ajustes”, enfatiza o empresário que já retomou o segundo turno, paralisado no auge da pandemia. “Com o fechamento das lojas enxugamos o quadro de colaboradores e fechamos o turno da noite, mas em junho recontratamos e voltamos a atuar com 100% da capacidade”, afirma.

Outra empresa de Arapongas que também fez ajuste na linha de produção é a Caemmun Movelaria. Diego Munhoz, presidente executivo, destaca que a pandemia causou prejuízos, especialmente nos primeiros 45 dias com fábricas fechadas, mas também permitiu uma reflexão mais profunda sobre os negócios. Por ter reduzido uma das duas plantas produtivas, e em função de seguir com a cultura conservadora da empresa, Munhoz diz que o contingenciamento de matéria-prima não tem afetado a Caemmun de forma expressiva. Ele também credita os aumentos de preço à lei de mercado, buscar recompor preços quando a demanda está aquecida. “Além disso, sabemos que muitos produtos foram impactados pelo aumento do dólar também”, acrescenta.

Sandro Canabarro, gerente nacional de vendas da Bechara, de Tanabi (SP), reclama que o constante aumento nos preços dos insumos tem prejudicado a indústria. “Não conseguimos repassar ao varejo na mesma velocidade que os fornecedores nos repassam”, destaca, acrescentando que a Bechara tem feito cotações de preços dos insumos quase que diariamente. 

Na Cozinhas Ronipa, de Linhares (ES), a falta de matéria prima chegou a prejudicar o processo produtivo por um curto espaço de tempo, mas já está sendo regularizada. Rafael Correia, gerente comercial, afirma que os constantes reajustes de preço complicam mais o processo e geram certa insegurança no futuro.   

Para o especialista de mercado Leonardo Magalhães, que presta serviços para indústrias moveleiras, a questão do aumento de preços está atrelada a falta de insumos, inclusive na indústria de base. “Atuo em uma empresa de vidros e outra de aço, que fornecem para vários setores, inclusive o moveleiro, e elas ficaram momentaneamente sem insumos e tiveram que colocar os fornos em temperatura de hibernação”, afirma, acrescentando que a regularização do fornecimento pode levar mais 45 dias.   

“Some-se se a isso a redução da capacidade de produção das indústrias, com demissões ou redução de jornada, e o interesse do consumidor por comprar, e chegamos ao quadro de desabastecimento que estamos presenciando. E, com aumento das vendas, é natural que os preços subam, até como forma de conter a demanda”, conclui.

Momento de qualificar vendas

Leonardo Magalhães, que também atende fabricantes de móveis do polo mineiro de Ubá, tem orientado seus clientes a olhar de forma diferente para o negócio. “Esse é o momento de fazer ajustes que melhorem a eficiência e a rentabilidade”, acredita o especialista, destacando que a produtividade está, em média, 10% maior nas fábricas que recebem sua consultoria. Outro ponto importante na visão de Leonardo é não se empolgar demais com o momento e sair fazendo investimentos considerando a demanda da pandemia. “O momento não é de pensar em ser grande e sim em ser eficiente”, destaca, lembrando que é preciso seguir o exemplo dos fornecedores e ajustar as margens para níveis saudáveis.

Outro ponto positivo na visão do especialista é a abertura de novos clientes. “Estimamos entre 20% e 25% a abertura de clientes novos e isso pode ser muito interessante no longo prazo”, defende. 

Giancarlo Bega Pizza, da Madetec, tem o pensamento alinhado com Leonardo. “Estamos tentando atender todos os nossos parceiros, mas sem aumentar demais a capacidade. Até porque, sabemos que pode haver uma bolha de consumo e até sobreposição de pedidos e no futuro alguns lojistas podem cancelar programações”, pontua o empresário, que acredita que este aquecimento deve seguir pelo menos até o início de 2021, se bem dosado pela indústria.

Diego Munhoz, da Caemmun Movelaria também adota cautela e está atendendo o varejo dentro da capacidade produtiva da fábrica. “Esse é o momento de qualificarmos vendas”, defende, lembrando que os móveis acumularam defasagem de preços ao longo dos anos e as indústrias vinham trabalhando com margens muito reduzidas.

Na Bechara o aquecimento das vendas também foi sentido a partir de junho e Sandro Canabarro destaca que o aumento é superior a 40% em relação ao mesmo período do ano passado. “O ano já havia começado melhor e tivemos uma interrupção brusca com a pandemia. Embora não tenhamos interrompido as vendas em nenhum momento, em especial para o mercado de e-commerce e para a exportação, o aquecimento do varejo físico nos surpreendeu”, enfatiza, lembrando que as vendas para os canais de e-commerce dobraram.

O gerente nacional da Bechara também é cauteloso em relação ao crescimento abrupto dos pedidos e, embora desconfie que possa haver alguma sobreposição por parte dos varejistas, acredita que a demanda deve se manter aquecida pelo menos até o fim do ano. “Esse fenômeno, associado aos reajustes de preço, tem gerado ambiente favorável para regularizarmos algumas negociações que vinham se arrastando”, finaliza.

Rafael Correia, da Cozinhas Ronipa, destaca que o mercado aqueceu de forma acentuada nos últimos 45 dias, mas já começa a sinalizar certa estabilização. “Houve um boom de pedidos, gerando crescimento de até 200% no volume normal da fábrica”, afirma, acrescentando que o faturamento cresceu em média 50%. Na avaliação do gerente comercial da Ronipa, a demanda deve se manter em alta até o fim do ano, mas com ajuste gradativo na medida que o varejo vai recebendo os produtos. “A pandemia gerou oportunidades como a ampliação de mix em alguns clientes e abertura de novos, sem falar no crescimento das vendas no e-commerce”, comemora Rafael.    

 

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