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Afinal, é bom ou ruim tantas promoções no varejo de móveis?

Por Natalia Concentino - 01 de Dezembro 2020
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“É só amanhã!”, “Quer pagar quanto?”, “limpa estoque” e por aí vai... Além da Semana do Brasil e Black Friday, que se tornaram tradicionais no calendário anual do varejo, quantas dessas expressões você escuta todos os dias se parar durante um tempinho para assistir algum programa dos canais de TV? Provavelmente, muitas. Talvez eu esteja um pouco desatualizada sobre as expressões que estão sendo usadas para chamar a atenção do telespectador atualmente, mas uma coisa é certa: há anos nos acostumamos a ver propagandas de grandes magazines anunciando descontos.

E se as lojas sempre estão competindo por preços, por que nós (agora me colocando no lugar dos consumidores) não iríamos nos acostumar com isso e procurar sempre pelo menor preço? Pois é, fica complicado falar sobre a valorização dos móveis, pagar o quanto ele realmente vale pelos benefícios que proporciona, com pessoas que pesquisam cada vez mais para escolher as melhores ofertas para pagar barato por um móvel.

Há quem acredite que fazer promoções seja a melhor forma de atrair clientes, mas os nossos entrevistados concordam que existem outras estratégias tão eficientes quanto essa.

Xavier Fritsch, especialista em varejo

Mas primeiro é preciso entender como nasceu a cultura do desconto. “Isso é provocado pelos magazines, que também vendem móveis e vivem numa competição intensa pelos clientes, com ofertas todas as semanas. Então, os demais lojistas que vendem móveis tiveram que entrar nessa para poderem vender”, analisa Xavier Fritsch, diretor do portal Loja Super Vendedora, especialista em varejo.

E quem administra as lojas de móveis e eletrodomésticos sabe muito bem do que Xavier está falando. “Fazer promoções ajuda a fomentar a venda de produtos de valor agregado e com estoque disponível. O consumidor já fica esperando os anúncios para poder trocar seus móveis e eletros”, afirma Emílio Glinski, vice-presidente comercial e de compras da Lojas MM.

Só que quando perguntamos ao lojista se a estratégia é eficiente e lucrativa, a coisa muda de figura. “É uma estratégia eficiente sim, sempre aumenta o número de vendas, só que traz menos resultados, ajudando apenas no abatimento do custo fixo”, admite Emílio.

Para Claudio Felisoni de Angelo, presidente do Ibevar (Instituto Brasileiro de Executivos de Varejo e Mercado de Consumo), a situação que estamos vivendo aqui no Brasil, até justifica esses descontos constantes. “O varejo é uma atividade sazonal, que possui altos e baixos. E esse ano, devido à pandemia do coronavírus, o cenário pede uma redução de preços de modo geral, pois o brasileiro está com uma renda menor, há o desemprego e o volume de crédito para pessoas físicas diminuiu, por isso, a redução de preços e margens presume que o prejuízo será amortizado”.

Claudio Felisoni de Angelo, presidente do Ibevar


E o que seria um cenário perfeito, com mais dinheiro disponível para consumo, se transformou na tempestade perfeita. Isso porque a indústria vem sofrendo com a alta dos preços e escassez de matérias-primas e, por isso, esse não é o melhor momento para baixar os preços para o consumidor. “Estamos vivendo um período de grande escassez de matéria-prima, tendo como consequência os exorbitantes reajustes de preços. Com isso, a palavra desconto não seria válida para o momento atual. Como os aumentos têm sido constantes, mesmo fazendo repasses ao varejo, a indústria ainda tem arcado com parte dos reajustes, já que os estoques estão em níveis baixos”, opina Caio Duarte, gerente comercial da Patrimar.Mas, na prática, a realidade é outra. Trata-se de um ano atípico, sem dúvida, mas em menos de seis meses a situação mudou muito com a redução do isolamento social e a injeção de mais de 210 bilhões de reais na economia via auxílio emergencial.

Caio Duarte, gerente comercial da Patrimar

Como pode existir essa divergência de pensamentos, não só neste ano? perguntamos aos entrevistados. A busca do varejo por oferecer o menor preço pode fragilizar a relação entre lojistas e fabricantes? Felisoni, acredita que possa gerar uma tensão sim. “O varejo, com as margens reprimidas, tenta transferir essa queda de preço para a indústria. A pressão acaba tensionando esse relacionamento, mas é o que dá para fazer no momento”. Emílio Glisnki garante que “dentro do mix, temos algumas oportunidades de negociar junto aos nossos fornecedores, conseguindo melhores preços sem que o resultado da indústria seja comprometido”.

Emílio Glinski, vice-presidente comercial e de compras da Lojas MM

O que também é destacado sobre o “casamento” indústria-varejo, é que existem outras maneiras de fazer com que o consumidor continue comprando sem que toda a cadeia produtiva precise baixar os preços. “A cada ano notamos uma grande mudança de comportamento de análise de produtos/preços por parte dos varejistas. Tivemos várias experiências de que nem sempre o preço seria a melhor alternativa. Sabemos que os consumidores estão cada vez mais exigentes e com muitas informações na palma da mão (literalmente) e, com isso, a oferta de produtos com qualidade é a melhor alternativa sempre”, comenta o gerente comercial da Patrimar.

Xavier Fritsch vai mais além na sua análise. “Na verdade, o cliente foi viciado nessas campanhas promocionais e deverá ser cada vez mais influenciado por essas ações, na medida em que as redes que dominam os conhecimentos superiores de vendas intensificam o uso de gatilhos mentais e aumentam sua comunicação digital para atrair cada vez mais pessoas para as suas lojas. Os lojistas que conseguirem vender valor, conveniência e sensações emocionais, tem boas chances de aumentar seus preços. Para isso, precisam reaprender a vender e a usar os canais de comunicação poderosos que temos hoje, para atrair muitos clientes bons para dentro das suas lojas”.

O especialista acrescenta que “os fabricantes poderiam ajudar seus lojistas a vender mais e melhor, mesmo que essa não seja a sua função. Alguns já estão fazendo isso. O mercado de móveis está bom e deve continuar assim, especialmente para quem entender que uma loja de móveis é uma máquina de ganhar dinheiro, esquecer suas vaidades e suas crenças limitantes e fazer o que precisa ser feito”.

Partindo do princípio da valorização do produto, o presidente do Ibevar dá um exemplo para mostrar que não é difícil ter uma margem maior quando se vende móveis. “Os eletrodomésticos são os mais afetados por essa guerra de preços. Já os móveis poderiam garantir uma margem de lucro maior, se os diferenciais das peças fossem mais explorados. É só parar para pensar: existem diversos tipos de sofás, enquanto uma TV de 40 polegadas, mesmo de fabricantes diferentes, acaba oferecendo basicamente os mesmos recursos, fazendo valer a busca pelo menor preço na hora de comprar”, explica Felisoni.

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Calendário de descontos

 

Não é novidade para ninguém que existem algumas datas em que a ideia é promover os descontos no varejo e atrair mais compradores, independente do segmento. Agora no segundo semestre isso fica ainda mais evidente com a sequência: Semana do Brasil, Black Friday e Natal. Isso, sem contar que no início de janeiro também já virou tradição fazer grandes liquidações, especialmente nas grandes redes varejistas.

“Os lojistas que quiserem se dar bem com esse calendário agitado precisam dominar os conhecimentos superiores de vendas e usar as técnicas de comunicação persuasivas, como os gatilhos mentais, e criar campanhas de geração de fluxo de clientes para suas lojas. Com os clientes dentro das lojas, é hora de aplicar as táticas de conversão e as técnicas de vendas de produtos com maiores margens”, opina Xavier.

Mas o especialista em varejo faz algumas críticas àqueles que não se atualizam ou não percebem as mudanças do consumidor. “Os varejistas precisam reaprender várias coisas, mas a maioria dos lojistas e vendedores não tem esse hábito. Preferem continuar fazendo "mais do mesmo", confiando que só a velha experiência ainda é suficiente para ganhar o novo jogo e improvisa ações que geralmente não funcionam bem. Em resumo, esse desafio não é mais para amadores e improvisadores”.

Porém, esse ano ainda conta com um agravante, que deve ser bem estudado para que as lojas consigam “bancar” todas essas promoções: a falta de produtos no mercado. “Essa questão está sendo bem desafiadora, acredito que para todos os fabricantes. Com a instabilidade econômica causada pela pandemia, este ano estamos vivendo momentos de muitas incertezas, praticamente em tudo. Com a falta e atraso na entrega de matéria-prima, estamos tendo constantes remanejamentos de produção, embora nossas programações vêm sendo concluídas com muito sucesso e atendendo - dentro do possível - as demandas”, expõe Caio Duarte.

“Os estoques estão e ficarão muito baixos neste final de ano, pois não temos estoque regulador devido à falta de matéria-prima na indústria, comprometendo as promoções e liquidações”, analisa Emílio, da Lojas MM. Ele aponta uma estratégia para conseguir lidar com esse calendário: “negociando antecipadamente com os fornecedores, conseguimos garantir o abastecimento e a agressividade comercial”.

O vice-presidente comercial da MM também sugere alternativas para lucrar no varejo de móveis, sem depender apenas dos descontos. “Acreditamos que um bom atendimento e pós-venda podem fidelizar clientes. Assim como o uso do direcionamento das mídias, conforme as estatísticas que a tecnologia nos oferece”.

O especialista Xavier Fritsch deixa uma reflexão e resume bem a questão dos preços. “O cliente mudou o seu jeito de comprar em vários quesitos. Os lojistas precisam entender isso e aprender esse novo jeito de vender. A maioria não admite essas transformações e se nega a mudar. Esses lojistas terão de vender preços e podem ter problemas na relação com os fabricantes”, conclui.

*Por Natalia Concentino, jornalista

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