Tarifaço impacta a indústria de móveis e ameaça os empregos
A decisão dos Estados Unidos de aplicar uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros a partir de 1º de agosto de 2025 já provoca fortes reações na indústria nacional — especialmente em setores com histórico de integração global e vocação exportadora, como o moveleiro. Trata-se de uma medida que ameaça décadas de relações comerciais, investimentos e geração de empregos, colocando em risco a sustentabilidade de uma cadeia produtiva essencial para o desenvolvimento do país.
Os EUA são o principal destino das exportações brasileiras de móveis e colchões, absorvendo cerca de 30% dos produtos acabados e quase 40% dos insumos e tecnologias produzidos localmente. Apenas entre janeiro e maio deste ano, o setor exportou mais de US$ 306 milhões em móveis prontos e US$ 1,4 bilhão em suprimentos.
Com a escalada tarifária — que saltou de 3,5% em abril para 10% em maio e atingirá 50% em agosto —, a pressão sobre o setor se intensifica. A cadeia madeira e móvel envolve desde a indústria florestal e fornecedores de tintas, ferragens, tecidos e embalagens até fabricantes de máquinas, transportadoras, operadores logísticos, varejistas e profissionais autônomos. Esse ecossistema sustenta mais de 1,1 milhão de empregos diretos e indiretos no Brasil.
Com a retração nos pedidos, suspensão de embarques e paralisação de contratos, já se registram férias coletivas e perdas de mercado. A nova tarifa não afeta apenas volumes e margens, mas compromete também o planejamento estratégico de empresas brasileiras e norte-americanas, impactando confiança, prazos e acordos bilaterais.
“Essa tarifa prejudica os dois lados. Não é apenas uma questão comercial, mas um golpe em pessoas, negócios, empregos e comunidades. Ela quebra a confiança entre dois países que sempre foram parceiros”, alerta Irineu Munhoz, presidente da ABIMÓVEL e fundador do Grupo Caemmun, em Arapongas (PR).
Exportadores relatam quedas drásticas e cancelamentos
Empresas com forte presença internacional já sentem o baque. Em Caçador (SC), a Temasa exporta 100% da produção — sendo 45% para os EUA. “Notamos uma movimentação incomum dos clientes desde o anúncio do tarifaço. Ainda não houve cancelamentos, mas os embarques estão sendo adiados, o que demonstra insegurança. Estamos diante do risco de perder quase metade do nosso faturamento”, afirma o diretor-geral Leonir Tesser.
Com uma cadeia produtiva consolidada desde 1993, a Temasa desenvolve projetos sob medida para grandes redes americanas. “Esse tipo de produto não é redirecionável. Uma compensação tarifária exigiria reajustes de até 30%, o que é inviável. Ninguém opera com essa margem. O cenário é preocupante.”
Em São Bento do Sul (SC), Daniel Lutz, CEO da Móveis Serraltense, relata que os embarques para os EUA caíram drasticamente: “Em 2024, representavam 80% da produção. No primeiro semestre de 2025, caíram para 30%. A média mensal de dez contêineres desabou para dois ou três.” Diante do quadro, a empresa deu férias coletivas e tenta redirecionar vendas para América Latina e Europa.
Em Arapongas (PR), polo exportador de estofados, a Toro Bianco já teve embarques de agosto cancelados. “Exportamos para 23 países, mas os EUA e Porto Rico somam 20% das vendas. A suspensão das programações de compra afeta diretamente nosso planejamento”, diz Marcela Carandina, diretora da empresa. “Perder espaço no ponto de venda pode significar anos de hiato até uma eventual retomada.”
Na mesma cidade, José Lopes Aquino, diretor da Colibri Móveis e presidente do SIMA, reforça: “É essencial buscar diálogo. O governo precisa compreender que os EUA são parceiros estratégicos. Evitar o viés ideológico e preservar os negócios deve ser prioridade.”
Impacto nacional: empregos e cadeias produtivas ameaçadas
No Rio Grande do Sul, onde os EUA respondem por quase 14% das exportações do setor, a preocupação também é alta. “Algumas empresas terão prejuízos significativos. Esperamos que os governos encontrem uma solução negociada”, diz Euclides Longhi, da Multimóveis e presidente da Movergs.
Em Nova Prata (RS), a Artemobili já cancelou 20 contêineres prontos para embarque. Com 80% das exportações destinadas aos EUA, a empresa entrou em férias coletivas. “Nossa produção é personalizada. Não há como redirecionar. E o impacto se estende a toda a comunidade”, afirma o CEO Gabriel Cherubini.
O Grupo K1 — dono de marcas como Kappesberg, UZ, Idélli e Bartzen — também foi afetado. Os EUA representam 20% das exportações do grupo, que mantém um centro de distribuição no país. Em comunicado, a empresa afirmou que revisa estratégias e espera uma saída negociada para evitar maiores danos.
A mmcité br, fabricante de mobiliário urbano com fábrica em SC, já convive com cotas de importação de aço e alumínio, agora também elevadas a 50%. “Nosso principal cliente já iniciou a transferência da produção para os EUA. Isso coloca em risco parte considerável de nossas exportações”, diz o diretor-executivo Tomas Vrtiska.
Fornecedores também sofrem com retração da demanda
Os impactos da tarifa se alastram por toda a cadeia. A Eucatex, que exporta painéis para mais de 50 países, já vê necessidade de repassar preços. “Os EUA representaram 82% das exportações no 1º semestre. A reação do mercado será determinante”, afirma Paulo Freitas, diretor da empresa.
Na Renner Sayerlack, produtora de tintas e vernizes, os reflexos vêm tanto das exportações diretas quanto dos clientes brasileiros que vendem aos EUA. “Esses clientes já começaram a cancelar pedidos. Estimamos que 90% deles serão fortemente afetados se não houver acordo”, relata Marcelo Cenacchi, diretor-geral.
Na Berneck, também fornecedora de painéis, os pedidos dos EUA estão sendo cancelados. “Estamos redirecionando volumes para outros mercados, dentro das possibilidades”, diz Daniel Kokot, gerente de comércio exterior.
No Pará, a AIMEX — que representa exportadores de madeira da Amazônia — relata uma queda de 25,9% nas exportações para os EUA no primeiro semestre. “A tarifa compromete seriamente nossa competitividade no principal mercado de destino”, destaca a entidade.
ABIMÓVEL articula medidas para evitar agravamento da crise
Desde março, a ABIMÓVEL vem atuando para conter os impactos do tarifaço. Em julho, participou da 1ª reunião do Comitê Interministerial de Negociação e Contramedidas Econômicas e Comerciais, em Brasília, onde defendeu o adiamento da tarifa por 90 dias, abertura de diálogo direto com os EUA, recusa a retaliações unilaterais e cooperação com entidades setoriais norte-americanas.
“A ABIMÓVEL está empenhada em buscar soluções conciliatórias, que considerem os impactos reais na economia e nas relações comerciais construídas ao longo de décadas”, afirma a diretora-executiva da entidade, Cândida Cervieri. “O que está em jogo é o futuro de milhares de empresas, empregos e famílias brasileiras.”




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