Varejo do futuro ‘tecno invisível’ e loja como ponto de conexão

Num dos pontos mais icônicos de São Paulo, o Conjunto Nacional, na manhã da sexta-feira (25), consumidores perguntavam a funcionários da recepção do edifício quando seria inaugurada a loja do Magazine Luiza no espaço, como anunciado em agosto de 2024. Ali, pela primeira vez, o Magalu vai dividir a área da rede com “minilojas” de Netshoes, Kabum, Época Cosméticos e Estante Virtual, todas controladas pela rede.
No local, a ser inaugurado no segundo semestre, o Magalu também vai vender produtos que não são da empresa, mas de vendedores de seu marketplace, algo até então nunca testado. A intenção ainda é usar a área como espaço para tratar de temas, em eventos exclusivos a clientes, nas áreas de saúde, bem-estar e tecnologia, e conectando isso com cada marca do grupo, dizem fontes ouvidas.
Também na última sexta-feira, a maior cadeia global de cosméticos, a francesa Sephora, abriu uma nova unidade no Iguatemi Shopping, na capital paulista, com 350 metros quadrados, logo na entrada do empreendimento - após longa espera, com negociações junto à sede pela área nobre -, na avenida Brigadeiro Faria Lima. A rede fala em oferecer experiências que não existem em outras unidades do país (como spa premium).
Existe um movimento, em redes nacionais e estrangeiras, de segmentos diversos - de beleza e alimentação à tecnologia e varejo eletrônico - de tentar tornar o processo de compra mais agradável e fluido e, especialmente, que possa surpreender o cliente.
Nas discussões sobre o futuro do setor, olhando o curto prazo, num período de três a cinco anos, essa questão tem vindo com mais força, segundo consultores ouvidos pelo jornal Valor. Na prática, é algo que sempre esteve no radar, mas as empresas perceberam que, com o avanço da estratégia digital, perderam essa conexão com o cliente - no cenário de crises econômicas consecutivas na última década - e isso tem custado vendas, dizem.
“Tivemos a euforia gerada pela venda online na pandemia, e no momento posterior, a busca dos fundamentos do negócio, como eficiência e melhoria de processos. Agora vemos mais clientes falando em recuperar a conexão social e a experiência com o consumidor”, diz Ana Paula Tozzi, CEO da AGR Consultores. “Isso não quer dizer que abandonaram os outros focos, só que acordaram para o fato de que o momento de compra ficou robótico na loja, e essa relação deve passar por transformações nos próximos anos”, afirma. Eventos e ativações presenciais acabam ganhando prioridade no curto prazo.
Especialistas lembram que essas mudanças, na prática, tendem a avançar em redes que já estão mais maduras numa outra agenda - e é aí que está o nó desse processo. É preciso operar canais físico e digital mais integrados para conseguir criar essas “lojas do futuro” realmente inovadoras. Esse é um dos principais desafios da última década do comércio brasileiro - e que ainda não está resolvido.
Grandes grupos líderes de mercado, como Magalu, Renner, Boticário e Pão de Açúcar, têm uma agenda mais avançada de integração, mas é improvável uma melhora visível, na experiência de compra no online e na loja, sem uma efetiva unificação desses dois mundos de forma mais disseminada em todo o setor. “O consumidor tem que ser visto como um só, não importa onde ele compre. E trata-se de um processo ainda moroso de unificação de sistemas e dados de clientes no país”, afirma André Pimentel, sócio da Performa Partners, consultoria que já fez trabalhos para redes como GPA, Centauro e C&A.
“Quando se fala em loja, que sabemos que é fundamental na estratégia do varejo, ainda há muitos problemas. Tem rede que não consegue fazer o básico, que é ter o produto certo no lugar certo, e criar um ambiente prazeroso de compra”, diz Pimentel.
Além disso, para conseguir chegar até a próxima fronteira de crescimento do comércio, por meio da inteligência artificial (IA) - que já vem mudando a forma como se compra e como se vende no mundo -, é preciso já ter feito a lição de casa com a integração de canais. “Você entra na loja e o atendente tem que conseguir te identificar, seja pelo CPF, seja pelo celular, e saber que você deixou um carrinho de compra parado com produto no ‘app’ dele, e oferecer o produto na loja. Tem que saber, pelo seu perfil, se há algo que ele possa oferecer especificamente para você. E estamos distantes disso”, diz Alberto Serrentino, sócio-diretor da consultoria Varese Retail.
Serrentino acredita que no país há uma inércia maior das companhias, em parte reflexo da instabilidade econômica. “Se o negócio vai bem, mudar todo o modelo operacional é algo que a empresa resiste, e aí a rede vai fazendo aos poucos, de forma paralela, e não como prioridade”, diz.
Nesse modelo 100% integrado, companhias operam dentro de uma arquitetura única, com uma só base de dados no físico e no digital. Isso vale para a frente de loja (área do caixa), aplicativo, site, redes sociais e WhatsApp. Sem isso, cada canal “pensa” separadamente e eles não conseguem entender o cliente como um só.
Segundo Tozzi, um estudo publicado no ano passado pela revista “Harvard Business Review” mostra que redes integradas têm receita 30% maior do que aquelas com sistemas independentes. Na tentativa de entender em que ponto o varejo brasileiro está nessa agenda, e o que o cliente pode esperar daqui para a frente, estudos colocam a loja no centro das mudanças.
O uso do ponto de venda como área de estocagem para a entrega de produtos comprados no online pelo consumidor (“minihubs”) já é uma realidade em empresas como GPA, Carrefour e Magalu. Só que será preciso ir além nos próximos anos - o que exigirá maior capacidade de gestão das cadeias.
Um dos caminhos é ir segmentando mais o perfil de cada ponto de venda. “Cada loja será diferente da outra, com produtos, promoções, preços e atendimento personalizado para clientes daquela região ou bairro. Nenhuma unidade terá exatamente o mesmo ‘mix’ de produtos de outra, e talvez nem o mesmo horário de funcionamento”, diz Serrentino.
Outro debate envolve mudanças na rotina de compra do brasileiro, afetada pelo que ele chama de “tecnologia invisível”. Não se trata de grande inovação na estrutura do ponto em si, mas de melhorias na jornada de compra. Isso inclui, por exemplo, o cliente conseguir achar a camiseta que procura, do tamanho e da cor que precisa, porque os algoritmos conseguiram identificar o que vende mais e em que momento do ano.
Executivos e consultores dizem que o debate de duas décadas passadas, quando se chegou a levantar a hipótese de morte da loja em congressos nos EUA, no início dos anos 2000, hoje é algo completamente descartado. Frederico Trajano, presidente do Magalu, mencionou a questão para analistas em teleconferência em março. “Lembro que o mercado questionava bastante a nossa estratégia de loja física, dizendo que era um negócio do passado, que era um problema estratégico. E hoje a loja tem se provado um canal não só rentável, como fundamental do ponto de vista do resultado do online.”
Um estudo do Boston Consulting Group, com foco no mercado americano, mostrou que 92% dos consumidores compraram em lojas físicas entre 2022 e 2024. Ao mesmo tempo, o cliente não abre mão do digital: 70% buscam dicas de “influencers” antes da compra, versus 50% um ano antes. E 53% da geração Z compra em redes sociais, segundo relatório da Capgemini Research Institute.
Fonte: https://valor.globo.com
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