Nova norma de saúde mental gera mais dúvidas do que certezas

A partir de 26 de maio, entram em vigor as alterações sobre saúde e segurança do trabalho propostas pela Norma Regulamentadora 1, ou NR-1. Com a mudança, passam a ser avaliados, além dos riscos físicos que o ambiente de trabalho proporciona ao trabalhador, também os riscos psicossociais.
O texto da norma diz o seguinte: “O gerenciamento de riscos ocupacionais deve abranger os riscos que decorrem dos agentes físicos, químicos, biológicos, riscos de acidentes e riscos relacionados aos fatores ergonômicos, incluindo os fatores de risco psicossociais relacionados ao trabalho”. Este adendo - “fatores de risco psicossociais relacionados ao trabalho” - ainda gera dúvidas para os RHs das empresas, mesmo a poucos dias de a norma entrar em vigor.
Um estudo realizado pela Safe Care Benefícios e HR First Class com mais de 500 profissionais de recursos humanos mostrou que 34% ainda não estão totalmente cientes das mudanças trazidas pela NR-1. Para Katia de Boer, CEO e fundadora da Safe Care Benefícios, como a norma impacta diferentes áreas das empresas, a informação nem sempre chega de forma clara e estruturada ao RH - por isso uma parcela relevante desses profissionais ainda não está ciente da NR-1.
“A norma não é confusa, mas é técnica”, afirma. “Exige leitura aprofundada e, muitas vezes, apoio de especialistas em saúde e segurança no trabalho para uma aplicação correta e estratégica. Conceitos como GRO (Gerenciamento de Riscos Ocupacionais) e PGR (Programa de Gerenciamento de Riscos) pedem mais que conhecimento legal, exigem mudança cultural nas empresas”.
A clareza em relação à norma divide opiniões. O médico do trabalho Marcos Mendanha explica que a NR-1 vem com a proposta de exigir que as empresas incluam os riscos psicossociais no PGR, assim como já incluem riscos físicos, químicos e biológicos. E aí surgem as dúvidas. “O que são esses riscos?”, ele questiona, dando como exemplo a autonomia. “A autonomia [dada ao trabalhador], quando é baixa, pode ser um risco psicossocial. Quando é mais alta, é promotora de saúde e engajamento”, detalha. “As empresas precisam avaliar os riscos, mas não está especificado.”
Ele comenta que existem diversas ferramentas que podem ser usadas para avaliar os riscos, mas pontua que o Ministério Público do Trabalho (MPT) não vai indicar ferramentas, pois entende que cada empresa tem suas particularidades e deve escolher suas formas de medir os riscos. “Está confuso”, afirma.
Na visão de Cirlene Luiza Zimmermann, procuradora no Ministério Público do Trabalho, a norma é clara e traz todos os agentes ou fatores de riscos no ambiente de trabalho que podem desencadear adoecimentos com suspeita ou relação com o trabalho. “O que tem de referência normativa detalhando está na lista de doenças relacionadas ao trabalho”, explicou.
Em artigo de sua autoria, comentou: “Considerando que a nova normativa não detalhou os fatores de riscos psicossociais relacionados ao trabalho, seu mapeamento e sua avaliação devem ocorrer considerando conceitos e diretrizes já existentes [...], a exemplo da Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho do Ministério da Saúde [LDRT], atualizada no final de 2023, e as diretrizes da OIT [Organização Internacional do Trabalho] e OMS [Organização Mundial da Saúde], publicadas em 2022.”
Esta lista é ampla e prevê aspectos de gestão organizacional como “deficiências na administração de recursos humanos, que incluem estilo de comando, modalidades de pagamento e contratação [terceirização, trabalho intermitente, pejotização e uberização] e estratégias para gerenciar mudanças que afetam as pessoas”. Também inclui o contexto da organização do trabalho, citando “deficiência nas formas de comunicação e tecnologia”. E, ainda, característica das relações sociais no trabalho, como “deficiência no clima das relações e qualidade das interações”.
O primeiro passo para as empresas se adequarem à NR-1 é mapear os fatores de risco segundo esses critérios e entender como eles afetam ou podem afetar a saúde dos funcionários. Feito isso, cria-se um plano de ação no Programa de Gerenciamento de Riscos. Ao identificar que os funcionários fazem hora extra costumeiramente, isso é fator de risco. Constatou um risco elevado, parte para o plano de ação com medida de prevenção imediata.
O número de afastamentos por questões de saúde mental chegou a 472 mil em 2024 no Brasil, aumento de 67% em relação a 2023, segundo dados do Ministério da Previdência Social. Ainda que nem todos estejam diretamente relacionados ao trabalho, o que é difícil precisar por uma série de fatores, os dados mostram que há um adoecimento crescente da força de trabalho. A atualização da NR-1 é uma tentativa de atuação nesse sentido.
Com informações do jornal Valor
Comentários