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Diário de um sobrevivente

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Estamos vivendo um ambiente de guerra em que chuvas de balas e torpedos foram substituídas pelas águas. São imagens impactantes. É quase impossível ter noção do que está acontecendo. Nasci pouco mais de dez anos após Porto Alegre enfrentar a sua pior enchente, em 1941. Até então, essa era a principal referência no avanço das águas do Lago Guaíba. O que se vê hoje é inimaginável.

 

Quem mora aqui vive hoje uma situação paradoxal: estamos cercados de água por todos os lados e, ao mesmo tempo, sem água. Depois de avançar sobre muros, comportas e sistemas de drenagem sucateados, sem vedação ou sacos de areia suficientes, as enchentes paralisaram também o sistema de abastecimento de água. 

 

Das seis estações de tratamento da capital, apenas uma está funcionando. Aproximadamente 85% da cidade está desabastecida de água potável, não há prazo para o restabelecimento do serviço ou sequer uma perspectiva de melhora da situação. Outros 15% têm água racionada. E a tendência é piorar. 

 

O ritmo de redução não deve se manter a partir desta quarta-feira, 08, quando mais chuva está prevista para a capital e a região dos vales. Logo depois, virá o vento no quadrante sul, que manterá as águas elevadas na capital. Um novo episódio de instabilidade pode ocorrer entre 10 e 15 de maio, quando o Guaíba ainda nem deverá ter recuado dos 4 metros. Cortes de luz não estão descartados.

 

Desde segunda-feira, 06, a única rota de fuga disponível para sair de Porto Alegre, a zona leste, enfrenta congestionamentos incomuns. Não havia estimativa precisa do volume de carros, pois o sistema de controle de fluxo da EGR parou de funcionar. 

 

Alagado, o aeroporto Salgado Filho não tem previsão para retomada das operações. A concessionária Fraport informou que não deve haver voos até 30 de maio, previsão que pode mudar. O serviço municipal de saúde funciona com restrições.

 

Há um exército de voluntários, uma força-tarefa excepcional, jamais vista na cidade, que atua incansavelmente 24 horas por dia no trabalho de resgate e acolhimento. A prefeitura contabiliza 15 mil inscritos. As cenas da chegada dos desabrigados são emocionantes. Nessa contabilidade não estão incluídas centenas, talvez, milhares de equipes vindas de outros estados e até de países vizinhos. Uma fantástica mobilização de solidariedade.

 

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Em sua coluna de hoje, o jornalista escritor Juremir Machado da Silva fala da responsabilidade nas mudanças climáticas: “Uma teoria acadêmica sustenta que o Guaíba é um lago. Até aí tudo bem. Como a legislação federal permite construir a 30 metros das margens de lagos e a 600 metros das margens dos rios, a teoria foi abraçada por políticos e empresários, tornando-se um dogma conveniente. Isso é só um exemplo de como se dá a relação humana com a natureza em nossos contextos”, escreve.

 

Agora há pouco pensei no Japão. Hoje, se você viaja para lá e acontece um terremoto, verá que a população saberá agir com certa calmaria, pois há uma cultura de ações que prepara as pessoas para esse e outros fenômenos da natureza. Até pouco tempo atrás, o Brasil não convivia com fenômenos climáticos, tampouco se preocupava em preparar pessoas. Não somos o Japão, mas certamente, nós podemos aprender muitas coisas com eles. 

 

*Por Guilherme Arruda, um sobrevivente em Porto Alegre

 

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