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Por que cada vez mais indústrias vendem direto ao consumidor?

Por Natalia Concentino - 05 de Janeiro 2021
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Temos acompanhado, principalmente, ao longo dos últimos meses, dezenas de iniciativas da indústria indo ao varejo de forma direta. O movimento estratégico que está por trás é o DTC ou D2C (Direct to Consumer ou, em tradução livre, Direto ao Consumidor). Esta estratégia pode até parecer uma sopa de letrinhas quando incorporamos os diversos modelos comerciais possíveis: B2C, B2B2C, B2B, B2E, C2C, dentre outros.

A estratégia DTC está rapidamente se tornando uma rota popular para fabricantes e marcas entrarem no mercado diretamente – sem depender de uma entidade intermediária – e, com isso, estreitar a relação com os consumidores e agregar mais valor aos negócios.

Você pode estar se perguntando: por que um fabricante assumiria essa responsabilidade adicional quando poderia facilmente continuar vendendo seus produtos para varejistas no atacado?

A resposta a essa pergunta envolve duas facetas – ambas giram em torno das necessidades, expectativas e comportamentos do cliente moderno.

Em primeiro lugar, os consumidores de hoje esperam poder ir diretamente à fonte ao pesquisar uma variedade de produtos ou marcas, ou ao fazer uma compra de uma marca específica. Se pegarmos um dado de um estudo recente, é possível observar que 59% dos consumidores preferem fazer pesquisas diretamente no site do fabricante e 55% preferem fazer as compras da mesma forma.

Voltando no tempo para contextualizar mais sobre esse movimento, que já tem pouco mais de 30 anos, o início da década de 1990 foi marcado pelo pioneirismo. Foi quando tivemos as primeiras indústrias abrindo suas lojas monomarca. Exemplo desse momento foi a Hering, que em 1993 inaugurou sua primeira física e hoje possui mais de 650 entre próprias e franquias, além dos canais digitais.

Nos anos 2000, o movimento cresceu e se tornou multisetorial. Outros entrantes se lançaram ao movimento e foi possível observar muitos aprendizados e boas práticas entre eles.

Na última década, tivemos altos e baixos. Houve um período de crescimento acelerado até a chegada de um período de retração no varejo como um todo. Neste momento, houve uma desaceleração desta estratégia e lançamentos pontuais. Mas, neste mesmo período, tivemos a chegada das empresas DNVBs (Digitally Native Vertical Brand, ou Marcas Verticais Digitalmente Nativas, empresas nascidas no digital e que precisam do ponto físico para a jornada 360º do cliente).

Neste momento, estamos vivendo um momento muito positivo e acelerado por meio do digital, que permite a retomada dessa estratégia de forma mais ambiciosa e, sem sombra de dúvidas, multicanal. Não é preciso dizer que o movimento traz benefícios tangíveis e intangíveis para as marcas. Podemos destacar alguns sem qualquer ordem de importância, mas que refletem boa parte dos motivos das indústrias irem ao varejo de forma direta:

Fortalecer a imagem e construção de marca;

Promover experiência diferenciada;

Criar novos canais de receitas e controlar o canal;

Aprender mais rapidamente com os consumidores;

Ofertar portfólio amplo e completo;

Testar novos produtos;

Vender produtos residuais.

Nossa experiência em ajudar os clientes nessa nova jornada em canais nos permite agrupar os diversos motivos em dois eixos:

CONEXÃO COM CONSUMIDORES

NOVO MODELO DE NEGÓCIO

E cada empresa possui uma estratégia em função do seu momento, visão de futuro, ambição e até de sobrevivência. Portanto, não existe CTRL C+CTRL V.

Como nem tudo são flores, existe um equilíbrio de forças na cadeia que precisa ser considerado. Pois existem diferentes interesses, tanto interna quanto externamente. Com o movimento, há a sensação de perda de poder ou redução de ganhos em algumas áreas da empresa.

O conflito entre os canais é uma possibilidade e os riscos são conhecidos e possíveis de serem mitigados para uma implantação bem-sucedida. Após algumas dezenas de trabalhos, o tempo tem mostrado que a transparência e a conversa “olho no olho” com os intermediários é o ponto de partida para gerenciar essa questão.

Dessa forma, podemos resumir a jornada DTC em quatro estágios:

1 – ESTRATÉGIA DE CANAIS

Ter clareza em relação à estratégia do canal, seu papel na matriz de canais e modelo comercial mais adequado para iniciar é o ponto de partida, seguido pela definição da ambição do canal. É desnecessário dizer que se tornar DTC não é algo que simplesmente “acontece”, uma vez que vai exigir muito esforço da empresa.

2 – CULTURA DE VAREJO

A incorporação de uma cultura diferente da cultura tradicional da indústria. Principalmente em relação à agilidade, velocidade e governança. Jamais isso deve ser negligenciado, uma vez que, no primeiro obstáculo, o projeto poderá ser considerado secundário.

3 – PEOPLE CENTRICITY

Colocar as pessoas no centro é quase que mandatório. E estamos falando dos consumidores e também dos colaboradores. Em relação aos colaboradores, estamos falando da equipe do SAC, vendedores das lojas, dos representantes comerciais e dos franqueados (quando houver).

Fui buscar em uma pesquisa realizada pelo E-commerce Brasil os diferentes desafios da indústria brasileira para se adaptar aos canais diretos. Notem que o aspecto cultura e conflito de canais lideram como maiores desafios.

Velocidade de adaptação e cultura: 29%;

Conflito de canais: 22%;

Estrutura dedicada: 19%;

Investimentos da indústria no canal: 15%;

Forma de entrada: 11%;

Apoio da direção: 4%.

4 – PLANO DE NEGÓCIO

Não podemos esquecer do plano de negócios, regras e processos operacionais. São diversos aspectos que variam em maior ou menor grau, de acordo com a escala e a ambição do canal quando se trata de DTC. Isso envolverá investir em treinamento e capacitação de seus funcionários, evoluir seus processos atuais (e desenvolver novos) e, de modo geral, garantir que sua empresa seja capaz de operar de forma eficiente e lucrativa no modelo D2C.

Só para dar mais exemplos, quando se fala em sortimento, se você pegar a curva ABC de vendas da indústria e quiser aplicá-la na composição do sortimento da sua loja, já começará errando feio. Principalmente se for um formato de loja físico. A jornada de compra em sua loja é totalmente diferente da mapeada em lojas multimarcas. Nas questões fiscais e tributária, são diversos modelos possíveis que podem variar seu modelo operacional e consequentemente seu resultado.

Em suma, a questão principal que você deve se fazer é: será que a D2C realmente vale a pena para a sua empresa a longo prazo ou é apenas uma moda passageira?

Olha, não há como negar que as empresas D2C estão no centro das atenções agora. Mas isso não significa que a D2C seja uma moda passageira, como se fosse um estilo de roupa, e logo sairá de moda. Realmente, a explosão de empresas D2C ultimamente é tudo, menos arbitrária.

O motivo pelo qual as empresas D2C obtiveram tanto sucesso nos últimos anos é que estão mais aptas a atender às necessidades em evolução dos clientes de hoje, como fornecer um serviço mais personalizado e autêntico.

Na mesma linha, o declínio das lojas físicas de varejo também foi tudo, menos arbitrário. Em vez disso, foi causado pela incapacidade das empresas de acompanhar as expectativas de seus clientes.

Esse desejo, por parte do consumidor, de um envolvimento mais personalizado e autêntico com as marcas com as quais faz negócios definitivamente não é um modismo que logo irá desaparecer. A realidade é que a experiência do cliente está se tornando cada vez mais importante com o passar do tempo – a ponto de em breve ultrapassar o preço e o produto.

Então, realmente não é uma questão de se o D2C como um modelo de negócios vai sair de moda ou não; se é marketing ou de fato um negócio. É mais uma questão de saber SE SUA EMPRESA DEVE OU NÃO adotar a abordagem D2C de forma eficaz e lucrativa. E, principalmente, acompanhando a evolução e mudanças em relação ao comportamento dos consumidores.

Sua empresa pode prosperar usando o modelo D2C agora, amanhã ou daqui a dez anos – contanto que você use o modelo para otimizar o serviço que fornece aos seus clientes e os processos que permitem que você faça isso.

 

Artigo de Alexandre Machado, sócio-diretor da Gouvêa Consulting. Publicado originalmente no Mercado & Consumo.

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