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Brasil: um retrato de 525 anos

Revisado João Caetano - 21 de Abril 2025
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Ensaio: Guilherme Arruda, jornalista convidado

 

Sexta-feira, 21 de abril de 1500. Passava do meio dia quando a frota de Pedro Alvares Cabral avistou terra após seis semanas em alto mar. Ancorou a frota a cerca de dez milhas (16 km) da atual Porto Seguro (BA) e na manhã seguinte, pequenas embarcações foram deslocadas até a praia e avistaram indígenas. Foi um misto de curiosidade e estranhamento. "Pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas", escreveu Pero Vaz de Caminha. Os primeiros diálogos foram gestos, olhares e expressões faciais. Os visitantes ofereceram gorros vermelhos e carapuças de linho e, de acordo com Caminha, os índios “não fizeram coisa algum”. 

 

Entre aquele 21 de abril de 1500 e 21 de abril de 2025 se passaram 525 anos ou exatos 191.881 dias. Nesse intervalo nós nos transformamos em uma das grandes potências mundiais, mesmo por linhas tortas, entre avanços e recuos, com ou sem corrupção, com jeitinho, malandragem, assistencialismo,  clientelismo e complexo de vira-lata (admirar o que existe lá fora). Somos um país vibrante que carrega altos níveis de desigualdades, além de profundamente burocrático, de políticas públicas instáveis e de uma infraestrutura precáriaacima de tudo, em transportes e saneamento. 

 

O que não faltam são obstáculos.

 

Em 1534, o rei D. João III, de Portugal, replicou no Brasil um empreendimento conhecido nas ilhas de Madeira e Açores – as capitanias hereditárias, espécie de Parceria Público-Privada – mas 15 anos depois a tentativa de promover a colonização e o desenvolvimento econômico começou a ruir. Parte desses propósitos foram alcançados nos 350 anos seguintes com ajuda de 5 milhões de escravos africanos. Se não bastasse, em 1785, um alvará proibiu a existência de indústrias, exceção à produção de tecidos grosseiros para os escravizados.

 

O Brasil tal qual o conhecemos hoje tem suas origens em 1808 com a vinda de D. João V, que extinguiu o descabido alvará e abriu os portos as nações amigas. Seu filho, D. Pedro II, deu passos importantes na modernização. Era progressista, entusiasta da ciência, da literatura e filosofia. Incentivou a fundação de escolas, bibliotecas, museus, e formação de professores no exterior. Trouxe o telégrafo e o telefone. É dele o primeiro plano para integrar o território por ferrovias – algo jamais alcançado. 

 

Soluções adiadas

Com o tempo nos tornamos um país imprevisível juridicamente para empreender. A avaliação consta do Índice de Segurança Jurídica e Regulatória criado pelo Jota (startup especializada em jornalismo jurídico) para medir a percepção do setor sobre segurança jurídica e regulatória no Brasil – 87% dos participantes da pesquisa consideram que as empresas não conseguem planejar a longo prazo devido à instabilidade jurídica. 

 

Além disso, acumulamos questões relevantes que ao longo de décadas foram negligenciadas, postergadas ou não enfrentadas de maneira eficaz. Daí também a crítica à falta de continuidade de metas de longo prazo para resolver os temas estruturais. A frase do historiador e antropólogo potiguar Luis Câmara Cascudo (1898-1986) de que o “Brasil não tem problemas, tem soluções adiadas”, permanece atualíssima – e estarrecedora. 

 

A soma de tudo isso e mais nossas crendices explica a tortuosa marcha de desenvolvimento. 

 

O crescimento errático do PIB se perde no tempo, mas vamos ficar nos últimos 40 anos e ver como as decisões influenciam o futuro. Em 1980, China e Índia tinham PIB menor que o do Brasil. Hoje estamos muito atrás deles. Pudera, enquanto o nosso cresceu 8,7 vezes no período, o indiano evoluiu 19 vezes e o chinês 97 vezes. Outra maneira de analisar essa disparidade é olhar o PIB Per Capita: o do Brasil aumentou 4,4 vezes, a Índia, 9 vezes e a China 70 vezes.

 

E o que dizer da Coreia do Sul com uma área territorial pouco menor que Pernambuco e uma população quatro vezes menor que a brasileira? No mesmo intervalo, o PIB cresceu 26 vezes e o PIB Per Capita, 22 vezes comparado ao nosso. O motivo? Ela optou pelo compromisso em educação de qualidade, incentivo a competitividade global, investimentos prioritários em ciência e tecnologia, e – que inveja – políticas de Estado de longo prazo. 

 

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Carga explosiva

A instabilidade macroeconômica em diversos períodos, sem dúvida, prejudicou o planejamento brasileiro de políticas de longo prazo e de investimentos. Mas há exceções. Nas últimas quatro décadas temos exemplos como o Sistema Único de Saúde, a Embrapa, o Pré-Sal e incentivo ao desenvolvimento de tecnologia aeroespacial, com a Embraer, que formou seu capital humano com professores do MIT, e a Embrapa, que desenvolveu tecnologia sofisticada no agronegócio.

 

Temos uma das mais elevadas e complexas carga tributária do mundo - 32,32% do PIB em 2024, maior patamar em 15 anos. O problema não é o índice em si, mas o fato de ter um dos piores desempenhos no Índice de Retorno de Bem-Estar à Sociedade (Irbes), que avalia os tributos e a qualidade dos serviços públicos oferecidos. Desde 2011, o Brasil não sai da última posição entre os 30 países com maior carga tributária, segundo o IBPT Instituto.

 

Farra de ministérios

E o que justifica o número de autoridades públicas que ostentam o título de ministros? Somadas todas as esferas são 138, um recorde mundial, possivelmente, sendo 38 no executivo federal (ministros de Estado). A lista inclui ministros militares (3), presidente do BC (1), Advogado Geral da União (1), STF (11), STJ (33), TST (27), TCU (9) e STM - Superior Tribunal Militar (15). Um exagero que fica escancarado ao ser cotejado com EUA (15), França e Alemanha (16, cada) e Reino Unido (21).

 

É possível fazer a economia crescer de modo sustentável e promover o desenvolvimento como um todo?

 

Certamente, mas é imprescindível romper com o ciclo das últimas décadas de turbinar o crescimento por dois ou três anos, que gera inflação, em seguida uma crise, e na sequência, recessão. Lembrando: medidas paliativas e oportunistas cobram um preço altíssimo. E para complicar, nossa Constituição proíbe cortar gastos. Há apenas duas alternativas: reduzir a taxa de crescimento dos gastos (base do Teto de Gastos), ou melhorar a qualidade dos gastos, atitude usualmente desprezada pelos gestores públicos de todas as esferas.

 

Temos características de um país moderno com traços coloniais e patrimonialistas, o que em parte, evidencia a sensação de estar na metade do caminho. Ainda não fizemos a transição para o desenvolvimento pleno, mas somos um oceano de oportunidades para investimentos, que exige, entretanto, a criação de uma governança de política pública com pesos e contrapesos que dê tranquilidade as regras do jogo.

 

Temos tempo e condições para definir a agenda que queremos para os próximos 40 anos. Cabe a nós elegermos as prioridades e persegui-las.

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