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O vendedor de sonhos

Por Gabrielly Zem - 06 de Dezembro 2021
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Memória - Adelino Colombo

Em maio de 2005, o Grêmio, de Porto Alegre, perdeu o jogo contra o Ituano, por 2 x 1. O que incomodou o empresário Adelino Colombo foi o segundo gol levado pelo goleiro Eduardo. Um frango terrível. “Precisamos de um novo goleiro. Com esse não iremos ganhar de ninguém”, esbravejou. Como dinheiro andava escasso no clube, ele tomou a dianteira: “Contrata outro. Quanto custa?” Cinco milhões de reais. “Pode comprar, eu pago. Não vamos perder por causa de goleiro”, ordenou.

A cena acima é verdadeira, aconteceu dias após a partida válida pela terceira rodada da série B do campeonato brasileiro e o que revestia de insegurança aquele momento era o fato de o Grêmio estar na segunda divisão pela segunda vez.

Além do amor ao Grêmio, o episódio revela duas particularidades desconhecidas do empresário gaúcho, falecido em outubro, aos 90 anos de idade: desprendimento e pureza.

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Seu Adelino, como era chamado, era uma pessoa simpática, afável, vaidoso, cozinheiro de mão cheia, acostumado a atitudes inesperadas. Como a de ficar no depósito da loja no dia 24 de dezembro, zeloso com a entrega dos produtos para os clientes, chegando em casa, invariavelmente, atrasado para a ceia de Natal com a família. Ou ainda, nos anos 1960, quando, no boom de venda de aparelhos de tv, subia no telhado das casas para instalar antenas.

Adelino Colombo, fundador da Lojas Colombo

Quem esteve frente a frente com ele várias vezes, como eu, sabe que era observador atento ao que acontecia ao seu redor. Tinha os instintos treinados para isso. Daí a sua inquietude de não saber ficar sem fazer nada, mesmo quando pescava com os amigos no Pantanal.

Um dos seus grandes diferenciais era a visão muito próxima do pensamento do cliente. “Não cabe a mim decidir o preço. Tenho que deixar o consumidor tomar a sua decisão”, era um dos seus mantras. Outro era: “Bom vendedor tem que entender o desejo do cliente, vender algo que ele nem pensa em comprar. Em outra ocasião, ele me disse: “Tenho 500 vendedores ótimos, 500 mais ou menos e 500 porcarias”. E completou: “Modéstia a parte, sou bom vendedor”.

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Ao longo da vida, revelou seu lado estrategista paciente e calculista ao esperar mais de duas décadas para instalar loja em Porto Alegre, até que a guerra de preços das redes da capital esfriasse, o que aconteceu em setembro de 1983. Depois, avançou para Santa Catarina e Paraná. O maior desafio, porém, foi São Paulo. Começou pelo interior, em 2001. No final do anos 2000 fincou bandeira na capital paulista, mas amargou uma derrota que o fez rever o futuro.

A Colombo era a razão da sua existência, o que justifica, parcialmente, sua insegurança e procrastinação em relação ao processo sucessório. Pesava contra ele também a forte concentração de poder nas tomadas de decisões. Chamou executivos de peso para tocar a empresa, mas ao mesmo tempo refreava seus estilos de gestão. A maneira de administrar não poupou sequer membros da família, exceção do neto Carlos Eduardo Colombo, 39 anos, a quem cabe agora o destino da rede.

Adelino também sabia reconhecer seus erros. Talvez o maior deles foi ter registrado a marca Colombo apenas para móveis e eletrodomésticos. Na hora não se deu conta que poderia estender para outros itens, o que evitaria contratempos, como o que ocorreu com a Camisaria Colombo, que ingressou na justiça reivindicando o uso. A favor de Adelino pesou o fato do seu ser o mais antigo.

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Em nosso último encontro perguntei se ainda tinha algum desejo para realizar. Ele não titubeou: “Chegar aos cem anos de idade”, disse, para logo em seguida emendar que se tratava de uma brincadeira. Também demostrou preocupação e medo com a violência. “Infelizmente, o Estado não dá segurança”, dizendo-se contra a pena de morte, mas a favor de prisão perpétua. “Mas perpétua mesmo”, reforçou.

A vida é um recorte de lembranças. Adelino as produziu em quantidades incalculáveis. E o Grêmio? Bem, o Grêmio está de volta a série B e desta vez o culpado não é só o goleiro.

Por Guilherme Arruda

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