Ressaca pós Milão

Por Silvia Grilli
Quase tudo já foi dito sobre a MDW Milano Design Week, e surpreendentemente (ou não) os brasileiros que lá estiveram gostaram praticamente das mesmas coisas. Brasileiros em Milão visitando o stand brasileiro nos iSaloni. Brasileiros em Milão visitando a exposição do design brasileiro na Universitá degli Studi. Brasileiros em Milão percorrendo loucamente Via Durini, Brera e Zona Tortona a fim de gerar selfies e stories vazios. Brasileiros em Milão com microfone para gravar vídeos de conteúdo óbvio com análises rasas. Brasileiros em Milão alardeando o lançamento de produtos que existem desde a década de 1970 (vergonha alheia). Brasileiros que olham tudo mas não veem nada. Felizmente há exceções: são raras mas existem.

Mas vamos ao que interessa: a Semana do Design em Milão é inegavelmente espetacular, mas em 2025 não foi sobre Design.
Quem acompanha os iSaloni e FuoriSalone anualmente vem notando o caráter cada vez mais comercial da feira, que há muito deixou de ser um point para quem caça tendências. Neste ano, dentro e fora de Rho vimos pouquíssimos lançamentos de produto inédito e muitíssimo esforço para requentar o que já existe há 3, 5, 10 ou mais anos. E está tudo bem, faz parte do jogo! Com um investimento milionário em Euro as indústrias italianas e suas marcas (sim, porque uma indústria fabrica dezenas de marcas) querem vender o que já está no catálogo e por isso o acesso a alguns stands é cada vez mais restrito a compradores (como é o caso da Minotti por exemplo). Enfim, o empresário brasileiro que vai aos Saloni esperando ver lançamentos todos os anos não entendeu nada, e tem muita gente que não entendeu.
O tema central e onipresente nos principais eventos da MDW é sobre protecionismo. Apostando na desglobalização a primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni, vem trabalhando forte na desconstrução do processo de integração europeia dominado por França e Alemanha.
Segundo a primeira-ministra é preciso proteger a economia italiana e os interesses dos empresários. A restrição aos pedidos de cidadania e as ações de revalorização do selo Made in Italy (enfraquecido quando muitos produtos passaram a ser fabricados na China) são exemplos da política protecionista de Meloni que ecoaram pelos corredores do iSaloni e FuoriSalone.
A maioria das marcas de design italiano investiu em instalações espetaculares e exposições imersivas a fim de celebrar sua evolução, legado e assinatura. Marcas consagradas da moda e do décor destacaram a excelência dos materiais utilizados e o 'capolavoro', num movimento sincronizado e muito bem pensado que colocou até mesmo os designers badalados em segundo plano. Em editorial a revista propôs transformar a capital do design em "capital do pensamento, da responsabilidade Elle Decor Italia e da imaginação" para criar um futuro mais justo e consciente (indireta pra China?).
Na capital mundial do Luxo até este tema foi tratado politicamente. De repente, marcas e profissionais passaram a refletir sobre o perigo do termo "exclusivo", que perigosamente indica algo "excludente". Fato é que agora o Luxo deve ser invisível (ou visível apenas para quem sabe apreciar) e assim o design ganha novos contornos.
Falando especificamente sobre móveis e decoração, iSaloni e FuoriSalone 2025 estiveram bem parecidos com o que vimos em 2023-24, com pouquíssimos lançamentos de ponta, menos festa e mais pé no chão. Por exemplo, uma das marcas queridinhas dos brasileiros (e sem showroom por aqui), a Moooi, saiu da tradicional locação no Salone dei Tessuti direto para a feira e para uma nova e permanente loja em Milão. A marca tcheca de iluminação Lasvit, que no ano passado apresentou uma instalação arrebatadora no Fuori Saloni, este ano levou seus produtos para a Euroluce, assim como a concorrente e não menos espetacular Sans Souci. Business, business, business.
Visitar a Milano Design Week sempre vale a pena das longas filas e dos preços exorbitantes porque os italianos sabem montar o show como ninguém, seja requentando os clássicos, seja reinventando a roda, seja propondo novos conceitos. Já está mais do que provado que copiar produtos é um tiro no pé, e copiar as estratégias das marcas italianas sem o devido ajuste para o nosso mercado é um grande equívoco. Então, o que sobra para os empresários brasileiros que vão aos Salones é observar, renovar seus repertórios e ler nas entrelinhas que tudo ali é pensado para um mercado global e não local.
Num mundo perfeito e idealizado por influenciadores e assessorias pagas, o Design Brasileiro está bombando no Exterior e o stand de produtos brasileiros na feira de Milão é um sucesso. Mas quando olhamos para os reais números da exportação brasileira de móveis a realidade é bem outra. O Design Brasileiro Modernista e os Vintages dos anos 1950-60 fazem de fato muito sucesso na Europa e EUA, onde são comercializados por galerias e antiquários, mas como vai o design feito e fabricado hoje? Primeiramente precisamos entender o que é considerado produto de exportação: há anos a indústria moveleira nacional exporta majoritariamente e não para a Europa móveis de metal para escritórios, móveis de plástico, assentos giratórios, assentos em diversos materiais, suportes para camas e colchões. Muito pouco do que se vende lá fora é design contemporâneo assinado por brasileiros, sejam famosos ou não. E então, quem se dispõe a investir de verdade no nosso design, assumindo riscos, como fazem os italianos? Quem se dispõe a tirar as lentes cor-de-rosa e construir esse cenário idealizado com autenticidade, para além das panelinhas?
Mas falemos sobre beleza, e aqui caio na armadilha de mencionar o que eu gostei. Primeiro, a instalação Library of Light, na Pinacoteca de Brera, que trouxe uma reflexão sobre a importância dos livros para a construção de uma visão crítica sobre o mundo. Também gostei da mostra Gucci Bambu Encounters, que celebrou o legado do bambu na maison e reinterpretou a aplicação deste material através da colaboração de designers contemporâneos. A instalação de Tokujin Yoshioka para Grand Seiko e o evento Google foram outros pontos de destaque, provocantes e fora da caixinha.
Verdade seja dita: O pós Milão vem acompanhado de uma tremenda ressaca!
*Por Silvia Grilli
Desenvolvimento de Produtos e de Novos Negócios
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